O que vou dizer neste texto pode parecer chocante, mas creio que precisa ser dito. Digo que a revolta dos "maus" pode acabar contribuindo para expandir a consciência da crise da democracia representativa - tal como está organizada e funciona - e, com sorte, colocar na ordem do dia o imperativo de uma nova reinvenção da democracia (ou, pelo menos, de uma profunda e generalizada reforma das democracias realmente existentes nos países que a adotam).
Entenda-se: "maus" se refere aqui não à pessoas más e sim as que atuam por maus motivos, considerando que motivos destrutivos - em democracias - podem ser considerados maus (se, subjetiva ou objetivamente, quiserem destruir o regime democrático ou substituí-lo por um regime autoritário). Como se sabe, bom - para a democracia liberal - é tudo que aumenta os graus de liberdade. Portanto, a transição para regimes com menos graus de liberdade pode ser julgada como má.
Mas vamos pensar, por dois minutos, sem preconceitos. No caso do Brasil, sob o domínio do PT, essas pessoas concluíram (ou intuíram) que “só metendo o louco mesmo”. Não conseguem ver outro modo de quebrar uma hegemonia construída ao longo de mais de três décadas nos meios intelectuais (nas universidades e escolas), jurídicos (indicados para os tribunais superiores, associações de advogados e juízes e, por extensão, procuradores objetivamente alinhados a correntes políticas imbuídas da defesa do que entendem por democracia), artísticos e culturais (sobretudo atores de filmes e novelas, cantores e compositores), jornalísticos (dos grandes meios de comunicação tradicionais), corporativos e associativos (nos sindicatos e centrais, movimentos sociais e ONGs) etc.
A revolta dessas pessoas "despolitizadas", impregnadas de senso comum (e que recém entraram, sem preparo, na nova PPA - População Politicamente Ativa - via mídias sociais e programas de mensagens) - ainda que reacionária e, via de regra, delirante - tem as características (destrutivas) de uma revolução contra o establishment. Pode-se dizer que é uma revolução para trás, mas não que não é uma revolução.
Elas acreditam que se não houver uma sacudida no que chamam de "o sistema", vai ser sempre mais do mesmo. E elas não estão mais acreditando no mesmo - nem nas velhas instituições (na isenção do judiciário e dos órgãos de controle do Estado, dos meios de comunicação tradicionais, muito menos dos governos), nem confiam nos mecanismos de freios e contrapesos e na independência dos poderes.
Se a mais recente pesquisa AtlasIntel sobre o assunto estiver correta, os americanos não confiam mais em suas instituições. Isso é mais uma evidência de que a forma como o establishment democrático está organizado e a maneira como ele funciona não são aprovados pelo público. Sintoma de crise, claro. Não adianta negar.
O velho establishment democrático (tal como está organizado e funciona) não tem como desativar ou sufocar essa revolta a não ser partindo para a censura seguida de repressão, reduzindo inevitavelmente direitos políticos e liberdades civis - o que é contraditório com a própria defesa da democracia pois levará à autocratização do regime. A menos que se reforme.
Quais seriam, porém, essas reformas? Eis o tema para uma discussão que já está muito atrasada.