A suspensão do X no Brasil
Rodrigo da Silva, X (31/08/2024)
Nos últimos dias, muitos jornalistas menosprezaram a suspensão do X no Brasil. Mas esta rede social não perderá a sua relevância sem os brasileiros.
O X é, entre outras coisas, um canal de declarações oficiais de autoridades do mundo inteiro, e muitas dessas declarações não estão disponíveis fora dele.
Não faltam jornalistas brasileiros que precisam acessar esse conteúdo em seus trabalhos.
Se um analista de política internacional, por exemplo, assume o dever de escrever uma matéria sobre política francesa – um país que enfrenta um impasse na escolha do próximo primeiro-ministro – é natural que ele visite a conta de @EmmanuelMacron, o presidente francês. Há coisas que Macron só escreve no X.
@JoeBiden, por exemplo, renunciou à presidência dos Estados Unidos no X. Hoje, o mero ato de confirmar essa informação, dada em primeira mão nesta rede social, poderia gerar uma multa a um jornalista, consideravelmente maior do que o salário médio de um profissional no Brasil.
Não bastasse, se o jornalista procurasse escrever uma matéria incluindo a fonte primária da renúncia de Joe Biden – por exemplo, embedando o tuíte, graficamente – arriscaria colocar o leitor em maus lençóis com a Justiça brasileira.
Se um tuíte é a fonte primária de uma declaração, como um jornalista poderá confirmá-la para o público sem infringir uma decisão judicial?
Há uma campanha presidencial acontecendo nos Estados Unidos nesse momento. Kamala, Trump, Walz e Vance estão no X todos os dias, sustentando as suas posições. Consultá-las é ofício de quem reporta sobre esse evento tão importante. Como fazê-lo sem parecer um vendedor de drogas acessando a deep web?
E isso para não falar da abundância de fontes, especialistas, fóruns de debate, insights, produzidos exclusivamente nesta rede social sobre uma série de assuntos – cultura, sociedade, economia, esporte. Há eventos grandiosos em que o X é a melhor fonte de informação em tempo real.
Ninguém discorda que há desinformação, mas há também muita informação de qualidade no X, reportada por gente do mundo inteiro – incluindo bons jornalistas produzindo conteúdo para as suas comunidades de leitores neste espaço. Muitos desses jornalistas, vivendo fora do Brasil, continuarão no X sem medo de consequências – mas os brasileiros, graças a @alexandre, estão impedidos de consultá-los.
É por isso que a decisão de Moraes não é um ataque apenas ao X. É um ataque direto à liberdade de imprensa – e sendo assim, é também um ataque frontal à democracia.
É vergonhoso que tantos colegas jornalistas – inclusive de alguns dos maiores veículos do país, que deveriam ser implacáveis defensores da liberdade de expressão e de imprensa – minimizem cinicamente a gravidade deste episódio.
Um jornalista que menospreza tudo isso atenta contra o próprio dever do jornalismo. No fim, age como uma galinha que protesta em defesa do KFC.