Bolívia: uma derrota do neopopulismo
O neopopulismo na América Latina sofreu uma derrota com a retirada do governo da Bolívia do partido MAS - Movimento Ao Socialismo, de Evo Morales e Luis Arce, depois de 20 anos no poder.
O neopopulismo
O neopopulismo não tem a ver com o que chamam de esquerda. Chile e Uruguai tiveram governos ditos de esquerda e direita, mas que não foram e não são populistas. E Boric e Orsi, considerados de esquerda, estão governando atualmente.
No Chile tivemos Ricardo Lagos (2000-2006), sucedido por Michelle Bachelet (2006-2010), por Sebastian Piñera (2010-2014), novamente por Bachelet (2014-2018), de novo por Piñera (2018-2022) e então por Gabriel Boric (a partir de 2022). Foram governos ditos de esquerda ou de direita, mas não populistas.
No Uruguai tivemos Julio Sanguinetti (1985-1990), sucedido por Luis Lacalle (1990-1995), novamente por Sanguinetti (1995-2000), por Jorge Batlle (2000-2005), por Tabaré Vázquez (2005-2010), por José Mujica (2010-2015), de novo por Vázquez (2015-2020), por Lacalle Pou (2020-2025) e então por Yamandú Orsi (a partir de 2025). Foram governos ditos de esquerda ou de direita, mas não populistas.
É por isso que Chile e Uruguai, juntamente com a Costa Rica, são as únicas democracias liberais da América Latina.
Uma cronologia do neopopulismo latino-americano
1959 - A ascensão do neopopulismo na AL tem um antecedente: a revolução cubana de 1959. Embora Cuba seja uma ditadura típica do século 20 (um regime autoritário não-eleitoral), foi sob influência de Havana que floresceram organizações marxistas-revolucionárias que, depois, inauguraram o neopopulismo (o qual adotou a via da conquista do poder pelo voto, mas sem abandonar a degeneração da política como continuação da guerra por outros meios).
1979 - Antes da via eleitoral neopopulista ser adotada pelas organizações marxistas-revolucionárias, houve a revolução sandinista da Nicarágua, assumindo o poder Daniel Ortega a partir de 1979.
1990 - Fundação do Foro de São Paulo, por iniciativa de Lula e Fidel Castro, reunindo partidos e organizações revolucionárias da América Latina, impactados com a queda do muro de Berlim.
1999 - Na Venezuela, com Hugo Chávez a partir de 1999 e Nicolás Maduro a partir de 2013. Virou uma ditadura.
2003 - No Brasil, com Lula a partir de 2003 e Dilma a partir de 2011 e novamente Lula desde 2023.
2006 - Na Bolívia, com Evo Morales a partir de 2006 e Arce desde 2020. Interrompido agora em 2025 com a eleição de Rodrigo Paz.
2006 - Em Honduras, com Manuel Zelaya a partir de 2006 e Xiomara desde 2022.
2007 - No Equador, com Rafael Correa a partir de 2007 e Moreno em 2017.
2007 - Na Nicarágua o sandinismo de segunda geração (já neopopulista) ocorre o segundo governo Ortega a partir de 2007. Virou uma ditadura.
2007 - Na Argentina, com Cristina Kirchner a partir de 2007 (sucedendo Nestor Kirchner, um populista à moda antiga que governou a partir de 2003) e Fernandez em 2019.
2008 - No Paraguai, com Fernando Lugo a partir de 2008.
2009 - Em El Salvador, com Luis Funes a partir de 2009 e Salvador Cerén em 2014.
2018 - No México, com López Obrador a partir de 2018 e Claudia Sheinbaum em 2024.
2021 - No Peru houve um governo confuso, autoproclamado revolucionário de esquerda, de Pedro Castillo, a partir de 2021.
2022 - Na Colômbia, com Gustavo Petro a partir de 2022.
Em 2025 restaram apenas os seguintes governos neopopulistas: Claudia no México, Xiomara em Honduras, Petro na Colômbia, Lula no Brasil e Arce na Bolívia (que perdeu a eleição de 19/10/2025). Além, é claro de Maduro na Venezuela e Ortega na Nicarágua, mas que são ditaduras. Cuba, porém, é uma ditadura (uma autocracia fechada) dita de esquerda ou socialista, que não é populista, embora tenha insuflado o surgimento do neopopulismo.
Cabe notar que os neopopulistas estão se alinhando ao eixo autocrático (Rússia, China, Irã etc.) na segunda guerra fria, atualmente em curso, contra as democracias liberais.
O nacional-populismo ou populismo-autoritário
O neopopulismo (dito de esquerda) não é o único populismo infectando os regimes da América Latina. Há também o populismo-autoritário ou nacional-populismo (dito de direita ou extrema-direita).
Uma cronologia do nacional-populismo ou populismo autoritário
2019 - No Brasil, Jair Bolsonaro a partir 2019.
2019 - Em El Salvador, Naib Bukele desde 2019. Virou uma autocracia.
2023 - Na Argentina, Javier Milei a partir de 2023, mas seu comportamento, conquanto populista, não é adequadamente caracterizável como de extrema-direita.
As semelhanças e diferenças entre neopopulismo e nacional-populismo
O que caracteriza o populismo - seja dito de esquerda ou de direita - não é a presença de um líder demagógico, ainda que o populismo opere sempre por meio de lideranças com alta gravitatem. O que caracteriza o populismo é o seguinte:
√ A divisão da sociedade em uma única clivagem: povo versus elite.
√ O encorajamento de uma polarização política a partir dessa divisão: a política praticada como guerra do “nós” contra “eles”.
√ A ideia (majoritarista) de que é preciso fazer maioria em todo lugar, acumulando forças para conquistar hegemonia sobre a sociedade a partir do Estado aparelhado pelo partido (ou de um grupo ideológico que faz as vezes de partido).
Não são a mesma coisa. O populismo-autoritário é um parasita que, em geral, mata o hospedeiro (o regime democrático). O neopopulismo é um parasita que convive com o hospedeiro, mas o paralisa (quer dizer, paralisa o processo de democratização). Às vezes, porém, o neopopulismo também mata o hospedeiro, como são os casos de Venezuela e Nicarágua, que viraram ditaduras.
O que é realmente relevante para entender os populismos contemporâneos é que todos (digam-se de direita ou de esquerda) são: i-liberais ou não-liberais.
Fundamentalmente, porém, populismo é guerra (entendida não como destruição de inimigos e sim como construção e manutenção de inimigos = “eles”): guerra fria eleitoral.