De um ponto de vista político toda essa agitação sobre a denúncia de Bolsonaro não tem mais a ver com Bolsonaro, com o golpismo tabajara dos bolsonaristas ou com a defesa da democracia. Tem a ver com a reeleição de Lula, ou seja, com mais um mandato presidencial do PT (o sexto, desde 2003). Um buldogue (daqueles antigos) agarrado num osso.
O PT se agarra à denúncia (e à condenação e prisão de Bolsonaro) como um náufrago abraça uma prancha de madeira. Isso nada tem a ver com a justa punição de Bolsonaro por golpismo e sim com o naufrágio em curso do PT por hegemonismo, populismo e, sobretudo, ideias ultrapassadas.
Sim, hegemonismo. A democracia não é atacada somente pelo golpismo. Ela também é atacada pelo hegemonismo, que é antipluralista e, consequentemente, iliberal. Sim, populismo. O populismo de extrema-direita no Brasil é golpista. O populismo de esquerda é hegemonista. Ambos são avessos à democracia liberal. Sim, ideias ultrapassadas. Nem é preciso comentar.
O fato de Bolsonaro ser denunciado (já foi), condenado (será) e eventualmente preso (é provável, embora existam dúvidas sobre quando será isso) não vai fazer a maioria da população gostar de Lula.
Lula não será derrotado por Bolsonaro (inelegível ou elegível, preso ou solto). Nem será derrotado pelas fake news bolsonaristas. Ele será derrotado porque a maioria da população não concorda mais com ele, não acredita no que ele diz e não acha que ele tenha condições de se delongar no poder em um quarto mandato. É o que indicam todas as pesquisas.
Em termos políticos Lula e o PT já foram derrotados e sabem disso. Mas esperam virar o jogo em termos eleitorais: pela "comunicação marqueteira" (tocando o governo até 2026 como se fosse um comitê de campanha eleitoral), pela censura às oposições (já que não podem competir nas mídias sociais) ou por um fato extraordinário, uma comoção inventada de última hora, do tipo: “descobrimos que o golpe continua”.
Mas como? Você não quer que Bolsonaro seja condenado por golpe de Estado? Não, não quero. Quero que ele seja condenado por tentativa de golpe. Que fique claro. Houve tentativa de golpe. Houve articulação e movimentos iniciais para implantar um projeto golpista, mas elas não contaram com nenhum ato concreto que caracterizaria um golpe desfechado: um decreto, uma declaração, um deslocamento de tropas, um impedimento ao funcionamento normal dos poderes. Então não houve um golpe que, tendo sido desfechado, foi derrotado e fracassou. Houve tentativa de golpe que, por algum motivo, não se concretizou. Foi abortado. Independentemente dos motivos operacionais dessa interrupção, o golpe não se concretizou por falta de força político-militar para tanto.
Se os chefes do Exército e da Aeronáutica tivessem topado dar um golpe (como parece ter feito o da Marinha) e o golpe tivesse sido desfechado, mesmo assim as chances de uma ditadura militar se estabilizar, na terceira década de século 21, num país gigante e complexo como o Brasil, eram muito pequenas. Os golpistas não iriam contar com o apoio do EUA (como ficou claro), nem da União Europeia (não precisa ser dito), nem da totalidade das nações democráticas liberais (idem). O mais provável é que também não contasse com o apoio de mega-ditaduras de esquerda, como a da China. O grande empresariado nacional não apoiaria. A maioria da população brasileira não apoiaria. Quem apoiaria? Os 20% de bolsonaristas? Talvez nem esses em sua maioria.
Não creio que se possa dizer nada de mais substantivo sobre o tema. A não ser o seguinte. Tentativa de golpe tem que ser punida pelo Estado democrático de direito. Aliás, na minha visão Bolsonaro deveria ter sofrido impeachment pelos crimes de responsabilidade (e contra a saúde pública) cometidos na época da pandemia. Foi Lula que frustrou a iniciativa de um movimento pelo impeachment de Bolsonaro, esperando vencê-lo mais facilmente nas urnas de 2022.
Daqui para frente temos de tratar o assunto com a tranquilidade que ele merece. Sobretudo temos de ter muito cuidado com a raiva. Como disse Yoda, "a raiva leva ao ódio". A raiva contra a esquerda populista não pode nos levar para os braços da direita populista. A raiva contra a direita populista não pode nos levar para os braços da esquerda populista. Ser contra Lula não pode significar ser a favor de Bolsonaro. E vice-versa: ser contra Bolsonaro não pode significar ser a favor de Lula. Cada qual a seu modo, Lula e Bolsonaro são populistas. E os populismos (de esquerda ou de direita) são adversários da democracia liberal.
Não odeie nenhum dos dois, simplesmente rejeite-os, fuja da escolha bipolar.
Disse tudo que penso! Pelo amor de Zeus! Que venha uma alternativa minimamente normal!
Perfeita adequação. Lula e Bolsonaro longe das urnas.