Bora pra academia (mas de ginástica)
Nos últimos vinte anos tenho me dedicado a promover programas de aprendizagem da democracia. Ministrei muitos cursos, publiquei alguns livros e numerosos artigos sobre o assunto. O que aprendi durante todo esse tempo foi que a aprendizagem da democracia não ocorre principalmente por um esforço intelectual. Na base da conversão à democracia há sempre uma disposição emocional: a insuportabilidade com a tirania.
Eis, todavia, um problema. Boa parte das pessoas não teve a experiência de viver sob um regime autoritário. Na prática, não sabe bem o que é uma ditadura. Quem não teve seus direitos políticos cassados ou suas liberdades civis fortemente restringidas, não consegue sentir a presença de uma força maligna infundindo o medo em sua vida e frustrando os seus desejos. Assim, não valoriza a democracia, tanto como regime político quanto como modo de vida.
A leitura de textos teóricos sobre democracia é importante, mas não pode evocar essas emoções que levam a uma recusa vital e existencial ao autoritarismo. Também não consegue conferir a capacidade de identificar padrões autocráticos quando eles se fazem presentes nos grandes e pequenos eventos da nossa vida cotidiana. O que causa mais efeito nesse sentido são os relatos de regimes autoritários feitos em primeira pessoa por suas vítimas, sejam sobre fatos reais ou obras de ficção, como os livros distópicos. Por isso estou propondo, mais uma vez, um clube de leitura sobre algumas distopias e ficções cognatas, como as de Jerome, Zamyatin, Huxley, Koestler, Orwell, Bradbury, Golding, Soljenítsin, Atwood, Wallace.
Um clube de leitura assim funciona mais ou menos como uma academia de ginástica. É difícil uma pessoa fazer os exercícios necessários sozinha, mas o exemplo de outras pessoas se exercitando e a possibilidade de interação com elas é capaz de mudar a disposição para inaugurar um novo hábito e a não abandoná-lo ao primeiro desânimo.
Como aprender democracia é sempre desaprender autocracia, na verdade, um clube de leitura sobre as distopias funciona como uma comunidade de aprendizagem de democracia.
Tem coisas que a gente não aprende sozinho, mas somente por meio da conversação continuada capaz de gerar circularidades inerentes que viram uma espécie de cultura que se mantém enquanto se replica. Estou convencido, pela minha experiência, que a democracia é uma delas.
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