Quem gasta todo seu tempo batendo em Bolsonaro (que já está preso e em breve será condenado), na verdade, não está batendo em Bolsonaro. Está fazendo a campanha de Lula. Só se preparando para dizer que qualquer candidato que não seja Lula será Bolsonaro redivivo, um fascista que - se for eleito - dará novamente um golpe de Estado. E aí continuará batendo em Bolsonaro, mesmo que o concorrente de Lula não seja bolsonarista ou não tenha o objetivo, nem as condições, de dar um golpe de Estado.
Numa democracia é esperável que exista oposição democrática ao governo presente, não apenas ao governo passado. Mas se não sobra um minuto para alguém fazer isso, porque está dedicado, 24 horas por dia, a fazer oposição a um governo que não existe mais, então isso significa, objetivamente, que essa pessoa está apoiando o governo atual, mesmo que não queira declarar isso.
A oposição exclusiva ao governo passado é um modo solerte de apoiar a continuidade do governo presente. O argumento apresentado pelos que fazem isso é a defesa da democracia. Como remanescentes do governo passado continuam pretendendo disputar as próximas eleições e podem se tornar governo novamente e como eles são contrários à democracia, então é necessário impedir isso em nome da defesa do Estado democrático de direito.
Com efeito, o chefe do governo passado e seus comparsas tentaram dar um golpe de Estado (à moda antiga). Mas isso já está praticamente resolvido. O antigo presidente foi declarado inelegível e será condenado e preso nos próximos dias. Aliás, até já foi preso. Seus auxiliares mais diretos envolvidos na tentativa de golpe também serão condenados e presos. E até pessoas que não tinham qualquer poder, apenas ouviram o chamado golpista e se dispuseram a protestar em Brasília, invadindo as sedes dos três poderes, também foram condenadas a penas draconianas e estão presas. Por abolição violenta do Estado democrático de direito (embora a violência cometida pelos manifestantes fosse contra objetos e não contra pessoas).
Mas para os que continuam fazendo oposição somente ao governo passado, a questão não está resolvida. Porque alguém ainda pode sair candidato com o apoio do chefe do governo passado. E se o governo passado era golpista, tudo indica que qualquer candidato apoiado por ele terá grandes chances de também ser golpista. E isso não se pode permitir.
Para não permitir isso é necessário, entre outras coisas, silenciar os que criticam o governo presente. Bolsonaro já foi silenciado: não pode sair de casa, receber visitas (nem dos filhos), usar o celular e as mídias sociais (e até os programas de mensagens, como WhatsApp e Telegram). Cabe aplicar a mesma medida silenciadora aos demais, como acaba de pedir ao STF o líder do PT no parlamento contra o deputado Nikolas Ferreira. Outras medidas na mesma linha surgirão: é preciso proibir que quem discorda do governo atual possa sair por aí criticando o governo democrático de Lula da Silva e do PT (afinal, a liberdade de expressão não é absoluta). Tudo em nome da defesa do Estado democrático de direito.
Isso não significa que Bolsonaro não deva ser condenado e preso, se culpado for - como tudo indica que é - observado o devido processo legal. Mas não implica que sua palavra possa ser cassada numa democracia, sobretudo antes da condenação. E até depois: Lula, condenado e preso, recebia visitas e, através delas, continuou comandando o PT. Foi até autorizado a conceder entrevistas. E estava certo.
Os princípios democráticos, como a liberdade de expressão, valem para os que julgamos que são nossos inimigos, para as pessoas de que não gostamos, para as pessoas que avaliamos ser ruins e perigosas para a democracia, não para as pessoas boas, não para os democratas e sim para todos, inclusive para os que contestam a democracia.
Ah! - dizem os defensores da continuidade do governo atual - mas tudo tem limite. Não se pode permitir a livre expressão que prega o fim do Estado democrático de direito.
Todavia, na democracia qualquer um pode, em tese, defender o fim do Estado democrático de direito: o que não pode é incitar as pessoas a derrubar de modo violento o Estado democrático de direito. Alguém pode, por exemplo, publicar um artigo dizendo que prefere o regime chinês (que não é um Estado democrático de direito). E que gostaria que esse regime fosse adotado no Brasil (aliás, conhecemos vários defensores da continuidade do governo atual que fazem isso - e nunca foram incomodados por ninguém).
Augusto! Perfeito. Exatamente isto: tem aqueles que disfarçadamente fazem campanha para o Lula, batendo no Bolsonaro e família. Governo Bolsonaro já acabou faz tempo. Virem a página. Procurem uma forma transparente de fazer campanha para o Lula/PT. Rasguem a camiseta e mostrem a estrela tatuada no peito.