Democracia militante e os limites do poder judiciário
Um apelo civil aos ministros da suprema corte
Diogo Dutra, Inteligência Democrática (02/09/2024)
Recentemente fui tomado por uma inquietação crescente diante dos acontecimentos protagonizados pelo ministro Alexandre de Moraes. Sempre rejeitei a narrativa bolsonarista sobre a existência de uma "ditadura da toga", principalmente por acreditar que um colegiado de 11 ministros, indicados em gestões presidenciais tão distintas, jamais se alinharia em uma posição única e autoritária. No entanto, a recente escalada de ações por parte do ministro e a falta de uma resposta de seus pares me alarmou profundamente. Esse "dobrar a aposta" faz-me lembrar do movimento "salvador" e "justiceiro" da Lava Jato, cujo efeito rebote foi devastador para a nossa democracia atual.
Diante desse cenário, inspirado por um grupo de amigos que discute os problemas da polarização e os impactos para a nossa democracia, senti a necessidade de agir. Decidi escrever um e-mail direcionado aos demais ministros da Suprema Corte, um apelo que expressa minha preocupação enquanto cidadão. A ideia é que este e-mail sirva como um movimento individual e autônomo, no qual cada pessoa que se sentir representada possa enviá-lo aos ministros, como um alerta sobre os riscos que enxergamos nessa postura atual.
O e-mail segue na íntegra abaixo:
"Exmos Srs Ministros da Suprema Corte,
Escrevo-lhes com o mais profundo respeito e preocupação, direcionando esta carta a todos os ilustres membros deste tribunal, com exceção do ministro Alexandre de Moraes, cujas recentes decisões despertam em mim, e em muitos brasileiros, uma inquietação que julgo necessário compartilhar.
No Brasil, estamos testemunhando um fenômeno perigoso: a normalização da atuação política do poder judiciário. Quando a proteção à democracia passa a ser entendida como algo que justifica qualquer ação, mesmo aquelas que ultrapassam os limites constitucionais, abrimos caminho para um cenário preocupante. Diante da constatação de que não basta apenas não violar as leis para proteger a democracia, duas vias se apresentam: uma, de cunho liberal, é o pacto social de respeito às normas, ainda que tácitas. A outra, não-liberal, é a perigosa adoção da ideia de "democracia militante", especialmente no âmbito do judiciário.
Essa "democracia militante" e a figura do "soldado da democracia" representam uma ameaça potencial ao coração da democracia que devemos defender. É claro que precisamos de agentes democráticos, mas eles devem agir como polinizadores, fermentadores e tecelões de redes – não como combatentes. A política democrática não pode ser vista como uma guerra, mas sim como o esforço contínuo de evitar a guerra. Quando a Justiça assume um papel militante, corre o risco de se ideologizar, perdendo a imparcialidade e tornando-se vulnerável à captura por interesses partidários.
Infelizmente, é crescente a percepção de que alguns membros do poder judiciário estão aderindo a essa ideia autoritária de "democracia militante". Essa postura, embora motivada pelo desejo de proteger nossa democracia, pode ter o efeito contrário, transformando a Justiça em uma entidade ideologicamente orientada, o que mina a confiança da sociedade e compromete a imparcialidade necessária ao exercício da Justiça.
Ministros, pergunto-lhes com sinceridade e uma certa angústia: o que está acontecendo? Não vemos no Brasil, hoje, a construção de uma Justiça que se distancia dos princípios fundamentais da democracia, que deveria proteger? Será que não é hora de alguns de vocês se levantarem para constranger esse movimento por dentro, antes que seja tarde demais para nossa democracia?
A Justiça não pode se desviar para o ativismo, ignorando os limites impostos pela Constituição e pelas normas que regem o Estado de Direito. É preciso que voltemos a incentivar a democracia na base da sociedade, ou seja ir além da ideia do Estado de Direito puro. É um alerta para que a ignorância em relação à essência democrática não nos leve a um perigo de substituí-la por interpretações enviesadas que atendem a interesses específicos em detrimento do bem comum. Tudo isso deveria ser o que uma Suprema Corte deveria estar atenta, mas algo aconteceu. Algo está acontecendo.
Não posso deixar de expressar meu temor de que, se não agirmos com urgência e prudência, poderemos ver nossa democracia diluída, não pela força de um autoritarismo evidente, mas pelas mãos daqueles que, acreditando defendê-la, a transformam em algo irreconhecível. Apelo aos senhores, com todo o respeito, para que reflitam sobre as consequências de se permitir que a Justiça se torne militante, e para que atuem como guardiões da imparcialidade e da verdadeira democracia.
Atenciosamente,
[Seu Nome]"
IMPORTANTE
A democracia não é um dado adquirido, mas uma construção contínua e delicada. Assim como na Lava Jato, que começou com boas intenções, mas cujas consequências fugiram do controle, precisamos ser vigilantes quanto às ações que, embora bem-intencionadas, podem levar a resultados indesejados. Nossa Suprema Corte, que deveria ser o último bastião de imparcialidade, corre o risco de se transformar em algo diferente se não houver a devida reflexão e correção de curso. Como cidadãos, temos o dever de nos posicionar e alertar para os perigos que vemos à frente, sempre em defesa de uma democracia verdadeira e imparcial.