Por Diogo Dutra, Inteligência Democrática (06/08/2024)
No primeiro artigo da série "Ensaio sobre inovação política e social" abordamos a necessidade de reinterpretação de conceitos clássicos da ambiência política como fundamento para possibilitar o nascimento do novo. Foi dito também que a importância intelectual desse trabalho não é condicionante para que as pessoas façam inovações políticas e sociais, mas que como parte da engrenagem da inovação essas reinterpretações permitem que os projetos cresçam e também possam se multiplicar a partir da ampliação do imaginário de que uma "democracia que queremos" é possível a partir da "democracia que temos".
Já na segunda parte, intitulada "Reformando uma democracia em grande escala", nós abordamos alguns exemplos de projetos que a partir de um desdobramento para maior descentralização e maior igualdade política entre os cidadãos conseguiram, de maneiras criativas e inovadoras, sair de obstáculos comuns nas temáticas que se propõem. A ideia era que os exemplos servissem como certa inspiração para que mais movimentos e projetos surjam de maneira a criar "mais democracia" dentro da nossa atual democracia (em certa maneira falha ou capenga) em grande escala no Brasil.
Nessa terceira parte, intitulada "Inventando uma democracia para uma sociedade-em-rede" a ideia é explorar novos formatos de participação (e ação) política, bem como novas experiências de democracia que sejam mais distribuídas, mais interativas, regidas mais pela lógica da abundância do que da escassez.
Terceira parte | Inventando uma Democracia para uma sociedade-em-rede
Depois de passarmos pela reinterpretação dos temas clássicos e das ideias de reforma de uma democracia em grande escala, é importante também levarmos em conta que a "Democracia que queremos" é uma democracia influenciada pelos fenômenos recentes gerados tanto pela globalização, pelas novas tecnologias digitais de informação e comunicação, bem como os fenômenos mais atuais da Inteligência Artificial. E portanto, as inovações políticas e sociais passam necessariamente por novos formatos de participação (e ação) política, bem como novas experiências de democracia distribuídas e mais interativas.
Parte importante dessa reflexão começa tanto no fato da democracia representativa tradicional estar enfrentando uma crise de legitimidade e eficácia, como no processo conhecido como "terceira onda de autocratização" que sufoca os caminhos de articulação e participação política na sociedade.
Antes de abordar algumas experiências brasileiras e internacionais, é importante contextualizar algumas ideias inovadoras de participação política e social para além da política institucional. Autores importantes como Hakim Bey com sua "Zona Autônoma Temporária" (TAZ) (1) quanto Václav Benda com a "Polis Paralela" (2) propõem espaços de autonomia que operam fora do controle estatal. Essas iniciativas são vistas como inovações políticas, proporcionando alternativas à governança convencional e aos mecanismos institucionais tradicionais. Tanto as TAZs como as polis paralelas são formas de resistência pacífica que não buscam confrontar diretamente o Estado, mas sim oferecer alternativas de vida e organização. Essa resistência não violenta é uma estratégia que surge como reação para minar a legitimidade dos regimes opressivos, destacando a possibilidade de se viver de acordo com princípios éticos e de liberdade.
Ambos os conceitos envolvem a criação de espaços alternativos para a cultura, educação e informação. Enquanto as TAZs podem incluir festivais ou comunidades temporárias, as polis paralelas de Benda incluem escolas, redes de informação e atividades culturais. Esses espaços servem para preservar e promover valores que contrastam com os da sociedade dominante. Bey destaca a natureza efêmera das TAZs, que surgem e desaparecem rapidamente, enquanto Benda enfatiza a permanência relativa das polis paralelas, como formas sustentáveis de autonomia. Ambos os conceitos, no entanto, valorizam a criação de espaços onde os cidadãos podem experimentar a liberdade e a autogestão, livres de interferência estatal.
Por fim, enquanto as TAZs de Bey são, por definição, temporárias, as polis paralelas de Benda têm uma visão de longo prazo, buscando eventualmente influenciar a sociedade como um todo. Ambas as ideias, no entanto, compartilham a visão de que a verdadeira mudança começa com a criação de espaços onde novos modos de ser e de governar podem ser explorados e vividos.
Inspirados ou simplesmente sintonizados a essas ideias que estão sustentadas em uma lógica de abundância e propostas mais distribuídas, têm surgido iniciativas e propostas em pequena escala ao redor do mundo de formas mais interativas e diretas de participação democrática. Abordaremos algumas delas, novamente escolhidas de maneira subjetiva e arbitrária, em caráter inspiracional, divididas em (i) Projetos de tecnologia cívica, (ii) Experiências em representação e participação digital, e (iii) Meta-partidos ou partidos-movimento.
Projetos de tecnologia cívica
O conceito de Polis Paralela de Benda, além de ser cada vez mais associado por acadêmicos à diversas práticas proporcionadas pelo advento do universo digital online, em 2014, ganhou um espaço físico inspirado pela ideia em Praga, na República Tcheca. O local, que carrega o mesmo nome do conceito de Benda (3), serve como um think tank para indivíduos interessados em ideias de inovação sem uma autoridade central. A sinergia com as ideias criptoanarquistas (4) fez com que, além de projetos educacionais, o espaço operasse como café que aceita apenas pagamentos em criptomoedas e explorasse um ativismo político focado em moedas digitais, blockchain e descentralização das autoridades dos bancos centrais.
Outra iniciativa inovadora com viés democrático para tecnologias cívicas, é o Democracy.earth (5). O projeto, que hoje é uma fundação que mantém seu código aberto, visa criar uma plataforma de governança descentralizada, utilizando a tecnologia blockchain para permitir uma votação segura e transparente. Fundado em 2015 por Santiago Siri e outros, o projeto utiliza a tecnologia blockchain para criar sistemas de votação seguros, transparentes e incorruptíveis. Este conceito está intimamente ligado ao movimento DAO (Organização Autônoma Descentralizada), que é uma nova forma de organização que opera de maneira descentralizada e automática através de contratos inteligentes em blockchain. Assim como o projeto "Democracy.earth" busca democratizar a participação política, as DAOs procuram democratizar a gestão de organizações, permitindo que qualquer pessoa com tokens ou participação na organização tenha uma voz nas decisões, seja por meio de voto direto ou delegação de poder. As DAOs são vistas como uma inovação importante, pois permitem a criação de organizações globais, transparentes e menos suscetíveis a corrupção, transformando a forma como as pessoas colaboram e gerenciam recursos.
Para além das experiências tecnológicas descritas anteriormente, se destacam algumas outras iniciativas inovadoras, com uso de tecnologia, de participação cívica e democracia deliberativa. Essas iniciativas compartilham a característica de buscar uma democracia mais inclusiva e participativa, onde os cidadãos não apenas elegem representantes, mas também se envolvem ativamente na tomada de decisões. Elas utilizam tecnologias e metodologias inovadoras para superar limitações da democracia representativa tradicional, oferecendo modelos que podem ser adaptados em diferentes contextos globais.
O primeiro, o DemocracyNext (6), um think thank focado nas ideias de Assembleias de Cidadãos, estuda e publiciza experiências onde indivíduos selecionados aleatoriamente deliberam sobre questões políticas complexas, propondo soluções que muitas vezes são implementadas. Este modelo visa incluir uma diversidade de perspectivas, fortalecendo a confiança pública e melhorando a qualidade das decisões políticas. A Assembleia de Cidadãos da Irlanda exemplifica essa abordagem, onde não só está resultando em melhores resultados em questões morais altamente carregadas, como casamento entre pessoas do mesmo sexo, aborto, imigração, uso de drogas e mudanças climáticas, mas também está restaurando a fé na democracia representativa da Irlanda. Essas deliberações levaram a referendos nacionais que resultaram em significativas mudanças legislativas, demonstrando o impacto real dessa forma de engajamento cívico.
A segunda experiência, iniciada em 2014, o governo taiwanês vem utilizando plataformas digitais para consultas públicas, permitindo uma participação direta na formulação de políticas, o que é uma forma moderna de democracia participativa. Exemplos de temas abordados foram: as definições das regras que governam o Airbnb e o Uber, a utilização de um crowdsourcing para uma resposta à pandemia e, mais recentemente, o planejamento de uma estratégia de repressão aos deep fakes na internet. Em um artigo publicado no 22 de julho de 2024 no The Guardian intitulado "Como Taiwan contrariou uma tendência global – e restaurou a confiança dos eleitores na política" (7) a jornalista Polly Curtis descreve:
"A tecnologia usada é baseada em uma ferramenta de tecnologia cívica de código aberto chamada Polis, que pede às pessoas que concordem ou discordem de declarações e ofereçam as suas próprias. Seu algoritmo único mapeia os resultados não pelo que divide a população, mas pelas áreas onde as pessoas que normalmente discordariam encontram consenso. Ele inverte o método tradicional de pesquisa."
Assim, todas essas experiências apresentadas representam uma nova fronteira para a inovação política, promovendo uma governança mais responsiva e responsável por meio de processos mais descentralizados e ampliando a inclusão usando tecnologia. Em um mundo cada vez mais polarizado, essas experiências oferecem esperança para a revitalização da democracia, promovendo um engajamento mais direto e significativo dos cidadãos na construção de suas sociedades.
Experiências em representação e participação digital
Além de experiências inovadoras usando tecnologias cívicas, abordadas na seção anterior, temos visto iniciativas inovadoras de partidos digitais, bem como iniciativas que focam na distribuição do poder a partir da interatividade e na revogabilidade de mandatos, proporcionando um maior controle e participação dos cidadãos nas ações de seus políticos eleitos. Nesta sessão vamos escolher algumas delas para exemplificar e inspirar outras iniciativas.
Em 2019, o Think Tank brasileiro chamado RAPs (rede de ação política pela sustentabilidade), que infelizmente encerrou suas operações neste ano de 2024, fez um estudo bem interessante sobre inovações na representação legislativa intitulado "Mandatos Coletivos e Compartilhados" (8). Neste estudo, particularmente, o capítulo terceiro examina iniciativas internacionais de inovação na representação democrática, destacando oito casos principais. Essas iniciativas, que incluem partidos e movimentos políticos, visam ampliar a participação cidadã na tomada de decisões políticas e legislativas através de tecnologias digitais e novas formas de organização política. Abaixo coloco sete dos oito casos, pois um dos casos no documento não tem o formato de partido:
Demoex/Direktdemokraterna (Suécia): Um partido local que promoveu a democracia direta usando uma plataforma digital para permitir que os eleitores influenciassem as decisões legislativas. Criado por alunos e um professor de filosofia, o Demoex permitia que os cidadãos participassem ativamente nas decisões políticas, compartilhando parte do salário parlamentar com os mais assíduos.
Partido Pirata: Originado na Suécia, o Partido Pirata se expandiu para mais de 30 países, defendendo a democracia direta e digital. Utiliza uma combinação de democracia direta e representativa, onde os eleitores podem votar diretamente ou delegar seu voto a legisladores. O Partido Pirata ganhou notoriedade na Alemanha e Suécia, utilizando plataformas online para debates e decisões.
Senator Online - Online Direct Democracy (Austrália): Partido que promovia a democracia direta através de enquetes online. Os membros poderiam votar em decisões legislativas através de uma plataforma digital, com a regra de que se não houvesse uma clara maioria ou número mínimo de votos, o parlamentar deveria abster-se de votar. A falta de uma clara agenda de propostas pode ser considerada uma das causas de seu insucesso eleitoral e em 2020 deixou de ser partido para atuar como movimento ativista.
Movimento Cinco Estrelas (Itália): Fundado por Beppe Grillo e Gianroberto Casaleggio, o movimento-partido defende a democracia direta e digital, utilizando a plataforma Rousseau para permitir que cidadãos escolham candidatos, debatam e votem em propostas legislativas.
Partido de la Red - DemocracyOS (Argentina): O Partido de la Red, fundado em Buenos Aires, desenvolveu a plataforma DemocracyOS para facilitar a participação direta dos cidadãos em processos legislativos. A plataforma permite que os usuários votem e debatam propostas legislativas, promovendo uma democracia mais participativa. Embora o partido não tenha conseguido eleger representantes nas eleições de 2013, a iniciativa se expandiu internacionalmente, com a DemocracyOS sendo traduzida para mais de 15 idiomas e utilizada em diferentes contextos.
Podemos (Espanha): Nascido do movimento dos Indignados, o partido Podemos utilizou ferramentas digitais para radicalizar a participação cidadã. A plataforma Plaza Podemos permite que os usuários debatam propostas e participem da construção de candidaturas e gestão do partido. Essa abordagem digital e transparente ajudou o Podemos a se estabelecer como uma força política significativa na Espanha, promovendo valores de igualdade e justiça social.
Flux (Austrália): O partido Flux utiliza a tecnologia blockchain para permitir que eleitores transfiram seus votos em diferentes questões para representantes ou outros eleitores, baseando-se em confiança e especialização. Essa flexibilidade permite uma maior participação e responsividade às necessidades do eleitorado, facilitando uma forma mais direta e participativa de governança. O Flux visa superar as limitações dos sistemas políticos tradicionais, promovendo um modelo de governança mais inclusivo e democrático.
Essas iniciativas mostram uma tendência global em direção à maior inclusão e participação cidadã na política, utilizando tecnologias digitais para superar as limitações dos modelos tradicionais de democracia representativa. Cada caso apresenta diferentes abordagens e desafios, refletindo as realidades culturais e políticas locais, mas compartilham o objetivo comum de revitalizar a democracia através da inovação nos formatos de partido e de mandato.
No Brasil, diversas iniciativas de mandatos coletivos e compartilhados surgiram, principalmente a partir de 2018, e tiveram sucesso relativo. São experiências muito interessantes que o mesmo estudo do RAPs mapeia e relata de maneira bem completa. De todas essas experiências no Brasil uma que se destaca em relação à participação dos cidadãos nas ações de seus políticos eleitos é o app Meu Vereador, depois rebatizado para Nosso Mandato, criado por Gabriel Azevedo (atualmente vereador em BH). Coloco abaixo a descrição extraída do mesmo documento do RAPs de 2019:
"Iniciativa criada por Gabriel Azevedo que, durante as eleições de 2016, prometeu compartilhar suas decisões em plenário com os eleitores que se dispusessem a participar do seu mandato por meio de um aplicativo. Após as eleições municipais de 2016 e antes de sua posse, Gabriel Azevedo dedicou-se a desenhar e contratar a programação do aplicativo de celular Meu Vereador, criando um espaço onde seus eleitores pudessem influenciar diretamente suas decisões. Ali também os cidadãos de Belo Horizonte podem acompanhar as pautas em votação, marcar reuniões e geolocalizar problemas na cidade.
O aplicativo é aberto a qualquer pessoa, possibilitando ao cidadão obter informações sobre o mandato, oferecendo transparência de custos de gabinete e informações sobre os projetos em pauta na Câmara Municipal. Já são mais de 10 mil usuários na plataforma. No momento do cadastro, o cidadão pode se identificar como “eleitor” ou “não eleitor”, sendo que o último tem navegação limitada no aplicativo. Entretanto, para poder cadastrar-se como “eleitor de Gabriel Azevedo” e ter o poder de influenciar as decisões do mandato, o cidadão precisa enviar uma fotografia selfie segurando o seu título de eleitor para que se verifique a existência de votos para o vereador Gabriel Azevedo na urna eleitoral em que o eleitor tem seu título cadastrado. Mais de 1.700 eleitores se cadastraram como covereadores no aplicativo e deliberam semanalmente sobre as decisões do vereador para posicionamento em plenário.
Após a utilização e os ajustes no aplicativo, Gabriel Azevedo criou o aplicativo Nosso Mandato, versão adaptada para comercialização junto a outros mandatários legislativos pelo Brasil. Diversos mandatários legislativos já adotaram o Nosso Mandato, criando com a ferramenta uma espécie de rede social privada com seus eleitores para fins de transparência, participação e gestão de relacionamentos. Fica a critério do mandatário utilizar o aplicativo Nosso Mandato para fins de implantação de um mandato compartilhado” (9).
Assim, como pudemos ver, existem muitas experiências inovadoras de partidos digitais, e com eles diversos experimentos de mandatos participativos e ideias de modelos que envolvem até mandatos revogáveis. Tudo convergindo para propostas de uma democracia mais distribuída, cooperativa, diversa e plural, permitindo múltiplas experimentações locais.
Meta-partidos ou partidos-movimento
Por fim, a ideia de meta-partidos ou partidos-movimento surge como uma inovação importante no cenário político atual. Augusto de Franco, no texto "Qual é a saída para os democratas?" (10) para o site Dagobah define a ideia como:
"movimentos (ou correntes de opinião) que tenham como função precípua atuar como agentes fermentadores (ou catalisadores) da formação da opinião pública e que, eventualmente, também lancem seus candidatos por vários partidos."
Os meta-partidos permitem uma maior flexibilidade na resposta às demandas sociais emergentes, funcionando mais como plataformas de integração e menos como estruturas rígidas de poder. Essas organizações não se limitam a operar dentro das estruturas tradicionais, mas buscam mobilizar e engajar a sociedade de forma mais ampla e interativa. Eles promovem uma política mais aberta, onde os cidadãos podem participar ativamente na construção das agendas e na tomada de decisões. Ou seja, eles transcendem o papel tradicional dos partidos políticos, buscando democratizar e renovar a política. Essa abordagem pode ser especialmente eficaz em tempos de rápida mudança social e política.
Em vez de promover escassez sob a justificativa (pobre) de que só seria possível realizar mudanças por meio da política institucional, ou seja que para isso, seria necessário a filiação em partidos tradicionai, precisamos promover abundância por meio de novas organizações que atuem na política (em sua definição mais ampla). A inovação dos "meta-partidos" se dá a partir do de seu modo de operação como movimentos amplos de engajamento da sociedade civil em um nível mais profundo e significativo. Ou seja, de maneira a não ser influenciado pela disputa política eleitoreira e suas consequências estruturais. Augusto de Franco complementa em seu texto "Qual é a saída para os democratas?" para o site Dagobah comenta:
"Pode-se, entretanto, dar mais um passo na direção da democratização da política. Nada indica que não se possa (e não se deva) construir “meta-partidos”, ou seja, partidos-movimentos, na verdade movimentos (ou correntes de opinião) que tenham como função precípua atuar como agentes fermentadores (ou catalisadores) da formação da opinião pública e que, eventualmente, também lancem seus candidatos por vários partidos. (...)
Recentemente surgiram várias iniciativas não-partidárias (algumas, talvez, proto-partidárias) de inovação na política, como, entre outras (intentadas ou que tiveram continuidade): a Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (Raps), o Brasil 21, o Movimento Acredito, a Bancada Ativista, o Agora, o Quero Prévias, a Nova Democracia, o Instituto Cidade Democrática, o Movimento Transparência Partidária, o Nossas, a Transparência Brasil, a Frente pela Renovação, o Open Knowledge Brasil, o RenovaBR e o Livres. Cada uma dessas iniciativas teve, tem ou terá o seu papel específico, em geral mais voltado para a disputa eleitoral."
É interessante perceber que as diversas iniciativas citadas por Augusto surgem a partir de 2013, momento em que o Brasil vivenciou suas "Jornadas de Julho" como uma reação emergente e descentralizada de insatisfação em relação ao sistema político, sua ineficiência e escândalos de corrupção. Todas essas iniciativas, embora diversas em suas abordagens e objetivos, compartilham a visão de renovar e democratizar a política brasileira. Eles utilizam tecnologias digitais para promover a transparência, aumentar a participação cidadã e apoiar novas lideranças. Em muitos casos, esses movimentos transcendem as linhas partidárias tradicionais, atuando como meta-partidos. Alguns inclusive já acabaram, ou mantêm atividades tímidas, o que não tira o mérito da inovação política que trouxeram e que ainda reverbera no espaço político-público. Abaixo listo um resumo de algumas delas as quais acompanho com maior proximidade e que considero estar fazendo um trabalho importante no debate público:
Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (Raps): A Raps é uma organização dedicada a capacitar lideranças políticas comprometidas com a sustentabilidade. Seu foco é formar e apoiar políticos que defendam práticas sustentáveis, tanto no aspecto ambiental quanto socioeconômico. A Raps acredita que a política deve ser um instrumento para promover o desenvolvimento sustentável e a justiça social.
Movimento Acredito: O Acredito é um movimento apartidário que visa renovar a política brasileira. Ele promove a entrada de novas lideranças políticas, especialmente jovens, com foco em ética, diversidade e transparência. O movimento acredita na construção de uma nova cultura política baseada na participação ativa dos cidadãos e na valorização da diversidade.
Bancada Ativista: A Bancada Ativista é uma iniciativa que apoia candidatos comprometidos com causas sociais e ambientais. Ela não se limita a um partido específico, mas trabalha para eleger representantes que compartilhem seus valores de justiça social e sustentabilidade. A Bancada Ativista é um exemplo de como os meta-partidos podem transcender as barreiras partidárias tradicionais.
Agora!: O movimento Agora! reúne líderes de diversas áreas para debater e propor soluções para os problemas do Brasil. Com um foco em governança eficiente, inovação e justiça social, o Agora! busca promover uma nova forma de fazer política, baseada na colaboração e na participação cidadã.
Instituto Cidade Democrática: O Instituto Cidade Democrática promove a participação cidadã na gestão pública. Utilizando tecnologias digitais, o instituto cria plataformas onde os cidadãos podem propor, debater e votar em propostas para suas cidades. A iniciativa busca tornar a gestão pública mais transparente e participativa.
RenovaBR: RenovaBR é um projeto de formação de novas lideranças políticas. Ele oferece cursos de capacitação para candidatos de diversos partidos, focando em ética, eficiência e inovação. RenovaBR busca renovar o quadro político brasileiro, trazendo novas ideias e práticas para o governo.
Livres: Livres é um movimento que defende o liberalismo econômico e social no Brasil. Ele promove a liberdade individual, a economia de mercado e a redução do papel do Estado. O movimento trabalha para influenciar a política brasileira a partir de uma perspectiva liberal, buscando soluções para os desafios sociais e econômicos.
Apesar de suas contribuições, os meta-partidos enfrentam desafios significativos. Eles devem garantir a sustentabilidade de suas operações, manter a independência de partidos políticos tradicionais e gerenciar a diversidade de opiniões dentro de suas fileiras. No entanto, eles também representam uma oportunidade para revitalizar a democracia brasileira, promovendo uma governança mais inclusiva e transparente. Portanto, em linha com essa última colocação de Augusto de Franco em seu texto "Qual é a saída para os democratas?":
"Para os democratas a questão central é a existência de democratas atuando continuamente na esfera pública (estatal e social), polinizando opiniões com ideias-sementes democráticas, construindo espaços comuns (commons, no sentido político e não apenas econômico do termo) em que seja possível associar pessoas para contender com problemas que as afetam e ensejar que elas se juntem para realizar projetos que nasçam da congruência de seus desejos em diversas comunidades de vizinhança, de prática, de aprendizagem e de projeto (o que consubstancia a nova esfera pública correspondente à visão forte da democracia como modo-de-vida e não apenas como modo político de administração do Estado, como já havia percebido, há um século, John Dewey)."
Portanto, os meta-partidos e movimentos mencionados são uma resposta inovadora aos desafios da democracia contemporânea. Eles representam uma nova forma de engajamento político, focada na inclusão, transparência e renovação. À medida que o Brasil continua a enfrentar desafios políticos e sociais, esses movimentos oferecem uma visão inspiradora para o futuro da política no país.
Caminhos para a democracia que queremos
Assim finalizamos essa terceira parte, intitulada "Inventando uma Democracia para uma sociedade-em-rede" depois de ter explorado novos formatos de participação (e ação) política, e listar uma série de novas experiências de democracia que sejam mais distribuídas e interativas no Brasil e no mundo. Sabemos que existem muitos outros exemplos e instituições que mereceriam destaque e aprofundamento, porém o objetivo desse ensaio não era ser exaustivo e completo, mas sim servir de inspiração para que outros movimentos de inovação política e social possam surgir.
No início desse ensaio falamos que para que atinjamos a "democracia que queremos", é preciso urgentemente de um esforço inventivo coletivo que encontre alternativas ainda não vistas para as múltiplas insatisfações e crises em relação à "Democracia que temos". E com o intuito de estimular e inspirar, dividimos as possibilidades desse esforço inventivo em três direções: (i) "Reinterpretando temas clássicos", (ii) "Reformando uma democracia em grande escala" e (iii) "Inventando uma democracia para uma sociedade-em-rede". Discutimos as encruzilhadas e trouxemos muitos exemplos de propostas e inovações que já estão acontecendo. Se fomos felizes e efetivos nesse objetivo só você leitor poderá nos dizer.
A inovação política e social exige uma transformação profunda nas práticas e estruturas democráticas. É preciso que a gente se aproprie do nosso potencial inventivo como já disse John Dewey (1939) em “Democracia criativa". E é preciso que a gente faça isso de maneira descentralizada em muitas frentes ao mesmo tempo. Só assim a gente conseguirá de fato sair da "democracia que temos" e chegar à "democracia que queremos" sem o risco de que a atual polarização tóxica nos leve à tropeços autocráticos.
Notas
(1) https://humana.social/taz-zona-autonoma-temporaria-de-hakim-bey/
(2) https://dagobah.com.br/a-polis-paralela-de-vaclav-benda/
(3) https://www.paralelnipolis.cz/en/
(4) O termo criptoanarquia denota o ambiente crescente da área não regulamentada da Internet, que por meio de ferramentas de anonimato permite o compartilhamento ilimitado de dados. Ao mesmo tempo, por meio de moedas descentralizadas como o bitcoin, ele apoia o desenvolvimento do mercado livre e garante comunicação não rastreável por meio de ferramentas de criptografia.
(5) https://democracy.earth/
(6) https://www.demnext.org/
(7) https://www.theguardian.com/commentisfree/article/2024/jul/22/taiwan-bucked-global-trend-trust-politics-hired-protesters
(8) https://www.raps.org.br/2020/wp-content/uploads/2019/11/mandatos_v5.pdf
(9) Até onde sabemos o aplicativo "Nosso mandato" se transformou no aplicativo "Tem meu voto" e operou como organização sem fins lucrativos até o ano de 2021. Houve uma tentativa de repassar a operação do sistema para o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, mas não sabemos a conclusão dessa tentativa.
(10) https://dagobah.com.br/qual-e-a-saida-para-os-democratas/