Estados de barbárie
Bruno Fernando Riffel, Inteligência Democrática (23/09/2025)
Resistir à invasão da Ucrânia é enfrentar uma matriz cultural erguida sobre código prisional que legitima violência, submissão e corrupção como fundamentos sociais.
O poder ancora-se numa ética carcerária: cidadãos vivem sob confinamento invisível, regidos por hierarquias rígidas, obediência ao mais forte, com desconfiança cotidiana. O Estado é prisão expandida, onde todos são guardas e detentos, cúmplices e vítimas.
Guardas, herdeiros da repressão estatal, e ladrões, sucessores do crime organizado, governam em fusão. A Rússia nasce dessa simbiose. Putin encarna a águia bicéfala: chefe da polícia secreta e chefe dos ladrões, guardião e criminoso ao mesmo tempo. No imaginário coletivo, sua figura mistura sombra paranoica do KGB a mãos sujas da máfia.
Nesse universo, a socialização não se dá pela escola ou pela lei, mas pela pedagogia das gangues. A força substitui a justiça; o medo, convertido em virtude, autoriza a morte de inocentes por uma ordem superior. A barbárie torna-se regra. O governante é protetor e predador; o medo sustenta a ordem. O fio que une czarismo, stalinismo e putinismo traça um círculo contínuo: regimes que anunciam novidade e reciclam velhos códigos de submissão.
A palavra, que deveria fundar confiança e amizade, converte-se em prisão. O verbo de vida torna-se sentença de morte. Sem pacto social resta apenas sobrevivência. A cidadania cede lugar à resignação diante da violência. A fusão entre repressão estatal e banditismo social molda a cultura e transforma o país em prisão sem muros, engrenagem disciplinar transmitida de cela em cela, esquina em esquina, geração em geração.
Essa lógica não é exclusiva da Rússia. Na América Latina, populismos unem militares e narcotráfico; na África, regimes confundem exploração mineral com máfia estatal; no Oriente Médio, Qatar e Irã passeiam de mãos dadas com seitas fundamentalistas. A ética carcerária tornou-se uma ameaça global.
Superar tais regimes exige mais que a troca de líderes: requer desfazer a engrenagem de submissão. Uma democracia floresce quando comunidades enraizadas em bairros, empresas e escolas cultivam amizade, confiança, autonomia. É quando surge uma cultura capaz de resistir à coerção.
Aceitariam os cidadãos, russos ou de qualquer autocracia, experimentar a democracia como modo de vida — transformando inimizade em amizade política e substituindo a força pela convivência?