Estamos vivendo numa ditadura?
Rafael Ferreira, Inteligência Democrática (09/08/2025)
A oposição bolsonarista martela dia e noite que estamos vivendo numa ditadura da toga. Esse discurso tem se alastrado para fora da bolha. Afinal, não é fácil defender a existência de um judiciário independente quando o comportamento político dos ministros do Supremo não condiz com essa independência.
Afinal, estamos vivendo numa ditadura?
É bom que fique claro que o bolsonarismo como força política nunca foi democrata, sempre foi a favor da ditadura militar e atuou em defesa do golpe, não só no 8 de janeiro como também em outros momentos do mandato de Bolsonaro. Dito isso, cabe entender a afirmação de que vivemos efetivamente numa ditadura.
Alguns comentadores dizem que na ditadura militar havia direito à manifestação. Para isso colocam fotos das campanhas da anistia, dos 100 mil e até das diretas para comprovar. Ou seja, no Brasil de hoje a simples possibilidade de haver manifestações de rua não torna nosso regime democrático.
Sem dúvida que o fato de haver manifestações não torna o regime democrático. São vários os exemplos de regimes de exceção que conviveram com manifestações populares. Recentemente, por exemplo, vimos manifestações populares gigantescas na Venezuela de Maduro, e o regime lá só endureceu.
Mas o que tornaria o regime onde manifestações populares acontecem um regime de exceção? Peguemos o caso da Venezuela. O que aconteceu depois das manifestações em favor do candidato oposicionista? Simplesmente houve prisões, torturas e deportações. No Brasil, em que pese a prisão do ex-presidente seja criticável e vem sendo criticada por muitos nas mídias sociais, grande imprensa e partidos políticos, não tem havido perseguição em massa. Repito, mesmo que uma prisão possa ser enquadrada como perseguição à oposição política há gradações que precisam ser levadas em conta.
Dito isso, é óbvio que nosso regime, apesar de não poder ser considerado uma ditadura, vem decaindo nos indicadores de democracia medidos por diversos institutos mundo afora. Estancar essa tendência exige que os atores políticos comprometidos com a democracia aumentem os esforços para criar comunidades políticas democráticas e tornar possível uma reforma política que melhore tanto a independência do judiciário quanto a própria representação da população. Só denunciar que o regime está se transformando numa ditadura confunde mais, por conta de quem propaga isso não defende a democracia, do que esclarece.
A virada autocrática não é absolutista, porém hegemônica. A atuação da toga tem a função de disciplinar as diversas correntes políticas na submissão à hegemonia petista. Bolsonaro é considerado mais inimigo por desafiar a cadeira do líder do que por suas ideias. Fosse apenas o deputado medíocre de sempre, não seria perturbado ainda que vez ou outra fizesse um discurso em favor da tortura. O Brasil sempre esteve distante de uma democracia representativa. O sistema eleitoral que o diga. Foi desenhado para compartilhar os votos dos eleitores assim como se compartilha o poder em parcelas nas diversas esferas dos poderes estatais e paraestatais. Se não estivesse escrevendo no impulso poderia citar outras características do nosso sistema pseudodemocrático. Essa falsificação da democracia tem permitido o enfoque exclusivamente no bolsonarismo. Se a oposição depende do aval de Bolsonaro para construir uma maioria, ela receberá o mesmo tratamento no processo eleitoral do próximo ano. E se desprezar Bolsonaro, será ignorada enquanto as pesquisas eleitorais mostrarem que ela não ameaça a hegemonia petista; e tolerada para servir de justificativa da lisura do modelo eleitoral. Entretanto, se houver uma virada, o STF será acionado para inventar qualquer pretexto a la Maduro e descreditar a candidatura. Trata-se de um processo de descenso na escala democrática cujo topo nunca alcançamos em toda a República. A democracia não só se constrói como também se destrói. E, como sempre, é mais fácil destruir do que construir.