Lula disse mais uma besteira em comício ontem (18/10/2024) do PT na Bahia. Em cima de um palanque eleitoral (do qual nunca desceu), o líder populista disparou: "Ninguém foi mais de esquerda do que Jesus Cristo". Depois emendou: "Ninguém brigou mais pelos pobres do que Jesus Cristo".
Está errado. Devemos explicar por quê está errado do ponto de vista da pesquisa historiográfica séria sobre o Jesus histórico, não do ponto de vista do Jesus devocional ou teologal, do Jesus da fé, o Jesus Cristo idealizado e apreendido pelas religiões.
Está errado, em primeiro lugar, porque as noções de esquerda e direita não faziam sentido na época em que, de acordo com todos relatos, Jesus viveu. Essa clivagem foi uma invenção da revolução francesa, quase dois milênios depois, logo apropriada e difundida universalmente pelos bolcheviques da revolução russa, estes sim "de esquerda" na acepção usada por Lula.
Está errado, em segundo lugar, porque entre os grupos religiosos e político-religiosos do século 1 que surgiram na Galileia, na Samaria e na Judéia - como os saduceus, os fariseus, os essênios e os zelotas - Jesus e sua companhia de amigos e amigas não se destacavam por ter finalidades políticas (e, a rigor, nem mesmo religiosas: Jesus não era cristão - um conceito que só surgiu bem depois da sua morte). Esses acompanhantes não poderiam ser considerados de esquerda, nem de direita.
Se alguém poderia ser comparado ao comportamento tradicional da esquerda que Lula admira e apoia (reunida, por exemplo, no Foro de São Paulo ou comandando ditaduras marxistas-revolucionárias como as de Cuba, Venezuela, Nicarágua, China e Coréia do Norte) seriam os zelotas, que lutavam para expulsar os imperialistas romanos pela força das armas.
Jesus de Nazaré, segundo todos os relatos, ainda que tivesse, entre seus chamados discípulos, alguns ex-zelotas, como Simão, refugou essa via da luta armada. E - muito importante - não adotou outra via qualquer para chegar ao poder, supostamente para "brigar... pelos pobres". Quase todo mundo era pobre naquela época e não faria sentido desenvolver uma militância baseada no antagonismo pobres x ricos.
A fala inteira de Lula, aliás, deixa claro sua intenção de empurrar goela abaixo das pessoas a polarização pobres x ricos:
“A gente não tem medo de dizer que a gente é de esquerda, porque ninguém foi mais de esquerda do que Jesus Cristo. Ninguém. Ninguém brigou mais pelos pobres que Jesus Cristo. É exatamente por brigar pelos pobres, de cuidar dos doentes, de atender os mais necessitados que os ricos da época mandaram crucificar Jesus Cristo. Não podemos esquecer isso, porque não é nenhum granfino que vai cuidar de vocês”.
Hoje, porém, todo mundo quer inventar, para instrumentalizar, o seu próprio Jesus, dizendo que ele era palestino, que era negro, que era gay, que era trans... Só não dizem o que ele era de fato: um judeu, um judeu marginal que, entretanto, não assumiu o messianismo temporal judaico (como tentou fazer, um século depois, Simão bar Kochba, que liderou uma revolta violenta contra o império romano).
A tentativa de Lula com essas falas é dizer que só a esquerda luta pelos pobres, que ninguém deve ter vergonha de se dizer de esquerda, pois Jesus também era. Há, ademais, um aceno embutido na sua fala para o público evangélico, cujos votos Lula pretende capturar para eleger seus candidatos no segundo turno de 2024 e para se reeleger, pela quarta vez, em 2026.
Esta nota foi redigida por Augusto de Franco, do staff de Inteligência Democrática.
Eu vi alguns trechos desse discurso na internet. A voz dele parecia bem roufenha e meio pastosa. Soava esquisita. Deveriam fazer um teste de bafômetro nele antes de cada "show". Bobagens como essas, ditas em público, só podem sair de alguém em estado ébrio
Grata Augusto Franco, esse texto, como todo os outros que escreve, são muito bem escritos.
Exprecivos e vividos!