Os nacional-populistas ou populistas-autoritários, ditos de extrema-direita, são reacionários, quer dizer, revolucionários para trás. Mas é preciso entender as razões do seu comportamento.
Eles querem realmente fazer uma revolução (começando por destruir tudo) porque avaliam que não há como mudar o que chamam de 'o sistema' por dentro. Observam como as instituições foram hegemonizadas, durante décadas de predominância do que chamam de comunistas e liberais e concluem que não será possível alterar isso a não ser insuflando uma revolta do povo, instrumentalizando a vontade de vingança, o desejo de revanche e a cólera das massas contra tudo que está aí. Usam, para tanto, as mídias sociais, mas é preciso entender bem o que isso significa. Significa uma possibilidade que, até há pouco, não existia, de vez que a chamada imprensa fazia parte do establishment e não daria voz aos revolucionários para trás (que são antissistema).
Mesmo quando chegam aos governos, como com Trump nos EUA, adotam um comportamento destrutivo de tudo que foi construído pelos seus inimigos, porém passo-a-passo. Seu movimento, se bem sucedido, leva à autocracia, jamais à democracia. Mas é bom entender que a maioria dos populistas-autoritários não é rupturista (e nem quer dar um golpe à moda antiga, um golpe militar). Sua estratégia predominante é a de ir erodindo a democracia por dentro, comprando ou asfixiando a imprensa, conquistando maioria nos parlamentos, intervindo no judiciário (e mudando a correlação de forças nas supremas cortes a seu favor), alterando o arcabouço legal, modificando as regras eleitorais (para conseguir vencer eleições sucessivamente).
Por isso, na maioria das vezes esse movimento revolucionário para trás é lento e opera por erosão do regime democrático, como estão fazendo Orbán na Hungria, Erdogan na Turquia, Modi na Índia, Bukele em El Salvador e Trump nos EUA. Outras vezes, porém, os populistas-autoritários são tomados pela impaciência e querem produzir logo uma ruptura com o regime democrático (que acham que é o regime que favorece à manutenção do establishment), por meio de um golpe (à moda antiga), como tentou fazer, sem sucesso, Bolsonaro no Brasil.
Simetricamente essa impaciência também se manifesta nos neopopulistas: os populistas ditos de esquerda. Por exemplo, Maduro na Venezuela (sucedendo Chávez) e Ortega na Nicarágua (sucedendo o próprio Ortega sandinista) não tiveram paciência para persistir na estratégia, lenta e gradual, de conquista de hegemonia sobre a sociedade a partir do Estado aparelhado pelo partido para se delongar no governo até ter condições de tomar o poder.
Ao contrário do que fizeram (e em alguns casos ainda estão fazendo) os outros neopopulistas da América Latina - como Evo (e depois Arce) na Bolívia, Correa (e depois Moreno) no Equador, Zelaya (e depois Xiomara) em Honduras, Funes (e depois Cerén) em El Salvador, Obrador (e depois Cláudia) no México, Lugo no Paraguai, Cristina (e depois Fernandez) na Argentina, Lula (e depois Lula novamente) no Brasil e Petro (na Colômbia) - Maduro e Ortega partiram logo para os finalmente e derem autogolpes bem-sucedidos para continuar no poder indefinidamente. Entraram por desvios autoritários com as consequências que todos conhecemos.
A maior parte dos neopopulistas (mencionados acima) que não viraram ditadores é composta por revolucionários travestidos de progressistas. Novamente há aqui uma simetria, ou melhor, um isomorfismo. Assim como os neopopulistas (ditos de esquerda) não se declaram revolucionários (para frente) e sim progressistas, os populistas-autoritários (ou nacional-populistas, ditos de extrema-direita) não se declaram revolucionários (para trás, quer dizer, reacionários) e sim conservadores.
É importante assinalar que todos - nacional-populistas que são ou não rupturistas e neopopulistas que são ou não rupturistas - são populistas. Populistas são, por definição, iliberais (e antipluralistas). Isso não tem a ver com direita ou esquerda. Como vimos, existem reacionários (revolucionários para trás) e revolucionários (para frente) de direita e de esquerda. Existem populistas de direita (nacional-populistas, em geral anticomunistas) e populistas de esquerda (neopopulistas, em geral socialistas).
A classificação que vem sendo divulgada, de juntar liberais com socialistas na mesma categoria de "progressistas", é uma falsificação para dizer que todos que não são progressistas são reacionários, desqualificando os liberais conservadores. Isso então dá margem a que apareçam reacionários travestidos de conservadores (como os bolsonaristas) e revolucionários disfarçados de progressistas (como os lulopetistas - mesmo que tenham abandonado uma visão rupturista e adotado a via eleitoral).
Tudo isso nos permite dizer que a ameaça à democracia (liberal) não vem somente dos reacionários (revolucionários para trás) rupturistas por meio de golpes de Estado (golpes à moda antiga, golpes militares ou com participação ativa das forças armadas). Todos os populismos, ditos de direita ou de esquerda, sejam os que apostam na ruptura, sejam os que adotam a vida da erosão lenta e gradual do regime, são ameaças à democracia (liberal).
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