Não houve golpe de Estado no Brasil em 2022 ou 2023
E sim tentativa de golpe que não se consumou
Para condenar a tentativa de golpe de Bolsonaro e de seus comparsas bolsonaristas, militares e civis, não é necessário insistir numa interpretação distorcida do que de fato aconteceu. Não houve, a rigor, golpe de Estado no Brasil e sim tentativa de golpe que não se consumou.
1 - O golpe foi pensado, planejado, articulado e iniciado, mas não se consumou (por falta de força político-militar dos golpistas para tanto).
2 - As tentativas golpistas não aconteceram somente em dezembro de 2022 ou janeiro de 2023 e sim a partir de 2019, quando Bolsonaro assumiu o governo colocando o país em 'estado de golpe' (entre outras coisas, por suas ameaças constantes à ordem constitucional). O vandalismo de 8 de janeiro de 2023, embora possivelmente coordenado e estimulado pelos golpistas, não foi um golpe de Estado e sim uma revolta motivada pelo fato de não ter se consumado o golpe desejado pelos bolsonaristas: a tal intervenção militar - que nunca veio.
3 - O golpe intentado foi um golpe à moda antiga, caracteristicamente militar, típico do século 20, raramente aplicado, no século 21, pelos populistas-autoritários ou nacional-populistas que costumeiramente são classificados como de extrema-direita. Os governantes Orbán, Erdogan, Modi, Bukele não deram golpes assim; Salvini, Farage, Trump, Weidel, Le Pen, Wilders, Abascal, Ventura, Purra - os principais líderes de extrema-direita que estão fora do poder no mundo atual - não cogitam dar golpes assim para empalmar o poder ou nele se prorrogar.
4 - Se tivesse se consumado, dificilmente o golpe bolsonarista teria sucesso. Não havia condições objetivas e subjetivas, no plano nacional, para estabilizar um regime militar típico do século 20 num país do tamanho e da complexidade do Brasil na terceira década do século 21: nossa sociedade não aceitaria, nossas instituições reagiriam - nem o chamado "centrão" apoiaria (pois vive do jogo democrático, que é o seu ganha-pão); e as forças armadas, no seu conjunto, não adeririam - como restou provado.
A alegação de que só por sorte escapamos do golpe, por um triz, não faz sentido. O fato do comandante de uma das forças armadas ter manifestado sua posição favorável ao golpe não significa que poderia ter havido um golpe. Porque não basta o comandante de uma força aderir para todo o contingente sob seu comando se engajar em uma ação ilegal (claramente inconstitucional). Seria necessário que os principais comandantes de tropas estivessem mancomunados. E mesmo que a Marinha como um todo realmente se engajasse, ela não conseguiria sustentar um golpe de Estado (nem tentaria desfecha-lo) contra a vontade do Exército e da Aeronáutica.
5 - E, no plano internacional, não haveria apoio à quartelada pretendida: os EUA deixaram claro que não apoiariam, a União Europeia também não apoiaria, as democracias liberais da América (como o Canadá, a Costa Rica, Barbados, Suriname, o Chile e o Uruguai) não reconheceriam o governo golpista, o mesmo se podendo dizer das democracias da Oceania (como Austrália e Nova Zelândia) e das democracias da Ásia (como Taiwan, Coreia do Sul e Japão). Nem mesmo as maiores ditaduras do planeta (como a China) apoiariam.
Nada disso significa que não tenha havido articulação para um golpe e ações iniciais para desfechar um golpe; ou que os golpistas não devam ser punidos; ou que devam ser anistiados.
O argumento de que se o golpe tivesse acontecido não haveria mais remédio - e nós, hoje, nem teríamos a possibilidade de discutir o assunto - é falso. O golpe poderia ter sido desfechado e fracassado (como era o mais provável) e, aí sim, os responsáveis seriam presos, julgados e condenados - até com mais rigor do que estão sendo hoje.
Golpe de Estado - sobretudo à moda antiga, numa sociedade complexa do século 21 - não é banal. A interpretação distorcida da tentativa de golpe bolsonarista tem objetivos claramente políticos: banalizar a possibilidade de golpe para instalar no país um ‘estado de vai ter golpe’ (se não apoiarmos o governo e votarmos em Lula ou em alguém indicado por ele em 2026).