Não adianta você proclamar que é democrata porque adota a via eleitoral se não aceita a alternância. Não adianta você se dizer democrata se acha que seus concorrentes são ilegítimos e atua para transformar em inimigos todos os adversários. Não adianta você se apresentar como defensor (ou salvador) da democracia se não reconhece e não valoriza as oposições como partes fundamentais do bom funcionamento do regime político democrático.
O PT propagandeia que é democrático porque resistiu a um golpe de Estado tramado - e intentado, embora não consumado - pelo governo anterior. Agora está retaliando. E quer continuar retaliando para explorar esse fato até as próximas eleições, de 2026 e, quem sabe, de 2030. Quer esticar o perigo de um golpe de Estado para, falsamente, se legitimar como o único defensor da democracia. Mas o PT não está preocupado com um golpe de Estado, que sabe que é impossível neste momento e no curto e médio prazos. Está apavorado, isto sim, com a possibilidade real de perder as eleições. Então tudo que não concorrer para a vitória de Lula em 2026 será encarado como golpismo continuado.
A tese do golpismo continuado é do estranho grupo Prerrogativas [na foto que ilustra este artigo]. Essa tendência do PT, disfarçada sob o nome "Prerrogativas", está se transformando numa espécie de "guarda da revolução lulopetista". Claro que se trata de uma revolução por vias eleitorais, mas que não aceita a alternância. Então os concorrentes eleitorais são encarados como golpistas.
O lulopetismo é democrático apenas no sentido eleitoral e parcial do termo. Não é democrático no sentido liberal ou pleno. Sem rodeios, isso significa que o lulopetismo é iliberal ou não liberal. Além disso é antipluralista e majoritarista (e, pior do que isso, hegemonista). Como seria mesmo qualquer força política populista.
Cabe esclarecer que populismo não é uma característica psicológica individual desse ou daquele líder. As pessoas acham que populistas são os que prometem construir uma ponte num lugar onde não tem nem um rio. Acham que são os demagogos, os clientelistas, os assistencialistas, os irresponsáveis fiscalmente. Não é mais só assim no século 21. Populistas agora são os que dividem a sociedade em uma única clivagem (povo x elites), os que usam a democracia (em especial as eleições) contra a própria democracia, os antipluralistas, os majoritaristas, os que praticam a política como uma guerra do nós contra eles. Os populistas são sempre iliberais, não-liberais ou contra-liberais (no sentido político do termo ‘liberal’). Atualmente existem populistas de esquerda (os neopopulistas, como Obrador-Claudia, Manuel-Xiomara Zelaya, Petro, Evo e Arce, Lula, Maduro e Ortega) e populistas de direita ou extrema-direita (os populistas-autoritários ou nacional-populistas, como Trump, Orbán, Erdogan, Bukele, Bolsonaro, Modi, Le Pen, Salvini, Weidel, Farage). Mas esses populistas, digam-se de esquerda ou de direita, odeiam a alternância democrática.
Os analistas políticos que se dizem democratas liberais devem responder a seguinte pergunta. Vocês sabem que o regime político do Brasil não é o mesmo do Uruguai ou da Costa Rica - que são democracias liberais e plenas. Mas não dizem isso por quê? Medo de perder público? Medo de perder financiamentos? Esperança vã de que haverá uma conversão milagrosa do lulopetismo à democracia? Ora, não haverá tal conversão enquanto o lulopetismo continuar sendo uma força política populista.
Uruguai e Costa Rica conseguiram ficar livres (até agora) de governos e oposições majoritárias populistas. Por isso são as únicas democracias simultaneamente liberais (V-Dem) e plenas (The Economist Intelligence Unit) das Américas. Atenção! Isso nada tem a ver com esquerda e direita.
No Uruguai, por exemplo, observamos uma saudável alternância de presidentes ditos de direita e de esquerda. Sanguinetti foi sucedido por Lacalle, em seguida por Sanguinetti, sucedido por Battle; e então veio Vázquez, sucedido por Mujica e, novamente, por Vázquez e depois por Lacalle Pou que deu lugar a Orsi. Sem trauma. O Uruguai continuou sendo uma democracia liberal. Não é o caso do Brasil, que jamais o foi (uma democracia liberal) e sim um regime eleitoral parasitado por populismos, tanto no governo, quanto, atualmente, na oposição supostamente majoritária. A ver em 2026. Ou em 2030.
De qualquer modo, só é democrata quem aceita a alternância. Populistas fingem que aceitam, mas na verdade não aceitam. Porque encaram as eleições como um meio mais eficaz (sobretudo nos tempos que correm) para empalmar e reter o poder em suas mãos. Ou seja, não aceitam o processo eleitoral como parte do metabolismo democrático. Vão para as urnas como quem vai para a guerra. Trata-se, para eles, de derrotar os desafiantes inimigos e se possível extirpá-los da sociedade (como disse certo líder político brasileiro).
Em geral, suas derrotas sobem à cabeça pois, sejam quais forem os concorrentes, esses adversários não são encarados como legítimos (ou são depreciados como menos legítimos). Por isso, via de regra, populistas violam as regras não escritas da democracia, como a de aceitar a derrota como normal e parabenizar o vencedor. E por isso dificilmente saem do poder por via eleitoral. Só para dar alguns exemplos:
Orbán saiu? Não, foi reeleito. Erdogan saiu? Não, foi reeleito. Modi saiu? Não, foi reeleito. Putin saiu? Não, foi reeleito. À direita, Trump é uma das exceções, mas deslegitimou a vitória de Biden, acusou falsamente uma fraude e, com esse discurso antidemocrático, voltou ao poder em seguida.
Ortega saiu? Não, foi reeleito n vezes. Chávez e Maduro sairam? Não, um morreu e o outro, seu sucessor, foi reeleito n vezes. Correa saiu? Não, emplacou seu sucessor Moreno. Evo saiu? Não, foi reeleito n vezes até que sofreu um contra-golpe parlamentar ao golpe que articulava de se prorrogar no poder por vários mandatos contrariando a lei. Zelaya saiu? Não, foi preso. Lula e Dilma sairam? Não, Lula fez sua sucessora Dilma, que sofreu impeachment. Lugo saiu? Não, sofreu impeachment. Funes saíu? Não, fez seu sucessor, Salvador Cerén, da mesma Frente Farabundo Marti de Libertação Nacional. À esquerda, Cerén (El Salvador) é uma exceção (já que Cristina não conta ao não ter conseguido emplacar Scioli seu sucessor, pois estava em transição do velho populismo peronista para o neopopulismo contemporâneo). E há também na Argentina a exceção de Milei (que derrotou Sergio Massa).
Com as exceções, mencionadas acima, que confirmam a regra, nenhum partido que abrigava esses populistas saiu do governo apenas pelo voto.
É possível que Lula e o PT já tenham decidido que não vão sair do governo, nem em 2026, nem em 2030. Eles sabem que perdem as eleições em condições normais. Isso significa que as eleições tendem a não ocorrer em condições normais. Esse é o aviso mais sério que posso fazer agora. Porque o golpe agora, para o PT, é perder a eleição.
Vai ter artista fazendo L,cantando Lula-lá ,fazendo cara de indignado e dando chiliques.
concordo! O PT não largará o osso nas próximas eleições. alguma coisa eles irão aprontar.
ar.