Existem conceitos do século 20 que foram ressignificados no século 21. E alguns conceitos novos apareceram. É necessário conversar sobre um glossário contemporâneo. Por exemplo, sobre os verbetes: Polarização, Populismo, Autocracia, Democracia, Liberal, Conservador, Fake News. Comecemos pelo primeiro dos sete conceitos.
POLARIZAÇÃO
Polarização não é a disputa política bipolar normal (por exemplo, Republicanos x Democratas nos EUA antes do trumpismo). É a degeneração da política como continuação da guerra por outros meios que converte adversários em inimigos. A polarização é o combustível dos populismos (de direita e de esquerda).
A polarização cria um ambiente favorável à conversão de adversários em inimigos. Até que não sobre espaço para a política, para a negociação e para o entendimento, mas só para a antipolítica. "Nós, os bons", temos de acabar com "eles, os maus". Destruir, destruir, destruir - é o lema.
A polarização não é causada apenas pelo choque entre dois extremismos. O problema aqui é o populismo. Um governo populista, que usa a democracia contra a democracia, degenerando a política em uma continuação da guerra por outros meios ("nós contra eles"), não precisa ser extremista. Aliás, mais perigoso será se não for extremista.
É preciso entender o que é polarização. Não é apenas quando duas forças extremistas se confrontam. Há polarização, no sentido contemporâneo do termo, toda vez que duas forças que baseiam sua política no “nós” contra “eles” entram em disputa. Por exemplo, quando dois populismos entram em luta, há polarização, ainda que um deles seja mais moderado do que o outro (como é Lula em relação a Bolsonaro – ambos populistas, ainda que de tipos diferentes: o primeiro é neopopulista e o segundo populista-autoritário).
Mas a polarização pode ser causada por um único polo, arrastando o outro (ou os outros) para uma espécie de degeneração da política como continuação da guerra por outros meios. É uma configuração do campo que caracteriza a polarização. Quando há polarização, os agentes escorrem por creodos, valas já sulcadas no espaço-tempo dos fluxos. E não precisam ser exatamente dois (bipolarização). Pode também haver polarização com mais de dois polos em disputa: basta que cada um deles (“nós”) considere os demais (“eles”) como ilegítimos ou menos legítimos. Do ponto de vista de rede a polarização é a existência de centros de alta gravitatem que deformam o campo social de sorte a selecionar previamente (ex ante à interação) caminhos, inviabilizando que outros emaranhados se formem. Mas a existência de apenas um centro com tais características é capaz também de polarizar (monopolarização), afetando o comportamento dos outros agentes do sistema.
Os que gostam de ser cavalgados por líderes, ainda que docemente, e os que querem fazer do líder um cavalo para os conduzir por um caminho em direção aos seus objetivos, deveriam prestar atenção a esse alerta. Líderes com alta-gravitatem abrem uma espécie de ferida no espaço-tempo dos fluxos. Não deveria ser normal esse tipo de fenômeno. Só acontece em campos sociais perturbados. Ou melhor, talvez: perturbam os campos sociais onde acontecem. Do ponto de vista da rede são uma espécie de doença. Sim, Lula – assim como qualquer outro líder, Duce, Condottiere ou Führer, com características semelhantes – é sintoma de uma doença da rede.
Perturbação. Renato Cecchetini ensaiou uma representação gráfica de centralização em uma rede distribuída:
Uma vez consolidados por uma longa trajetória de tentativas e realizações, líderes populistas dificilmente serão apagados do imaginário popular. Mesmo quando fracassam várias vezes, líderes populistas perduram por longo tempo como espécies de entidades imárcidas, às vezes até fantasmagóricas. Ainda depois de mortos, vários líderes permanecem influenciando comportamentos políticos (inclusive de gente que se recusa a aceitar seu passamento). Enquanto as configurações de rede continuarem perturbadas – pelo mesmo tipo de perturbação que gerou o líder como uma espécie de afecção no campo interativo da convivência social – o líder continua presente no imaginário, mesmo que sofra sérios reveses, como perder disputas, ser deposto, ser preso etc. Não raro tudo isso retroalimenta a liderança.