O que vai acontecer com a democracia brasileira?
Augusto de Franco, 98live (21/12/2024)
Uma mudança em nosso regime político está em curso. Isso não quer dizer que o Brasil está a um passo de virar uma ditadura, muito menos que já é uma ditadura – como o bolsonarismo quer que acreditemos.
Também não significa que o governo atual vai dar um autogolpe, nem que seja inexorável trilhar esse caminho que a polarização entre dois populismos (o lulopetismo x o bolsonarismo) está desenhando.
E nem significa que se o governo atual perder as próximas eleições, o vencedor dará um golpe de Estado – como o lulopetismo quer que acreditemos.
Mas significa - e isso precisa ser reconhecido por qualquer pessoa honesta que valoriza a democracia - que entramos numa deriva autocratizante.
Se não surgir uma alternativa democrática não-populista teremos, nos próximos anos, menos democracia e não mais democracia. Estaremos mais longe de nos tornarmos uma democracia liberal ou plena.
A mudança que está em curso por enquanto é, em grande parte, subterrânea - o que não significa que seja uma ameaça menos perigosa.
Vejamos os sinais.
A polarização está aumentando, não diminuindo. A capacidade de nossa sociedade de controlar o governo - a essência da concepção liberal de democracia - está diminuindo, não aumentando.
As consequências mais visíveis desse processo - como pequenas (mas decisivas) restrições de direitos políticos e liberdades civis (como a liberdade de expressão) - não tardarão a aparecer se continuarmos nesse caminho.
É para preocupar. Nossa proximidade (e mais do que isso, nosso alinhamento) com o eixo autocrático (o eixo das ditaduras: Rússia, Bielorrússia, China, Irã, Coreia do Norte etc.), via BRICS ou Sul Global – que já instalou no mundo uma segunda grande guerra fria - está aumentando, não diminuindo. Ou seja, nosso distanciamento da coalizão das democracias liberais (Canadá, EUA, Barbados, Costa Rica, Suriname, Chile, Uruguai, União Europeia, Taiwan, Coreia do Sul, Japão, Austrália e Nova Zelândia) está aumentando, não diminuindo.
O governo atual – a despeito de declarar o contrário, para jogar areia nos olhos do distinto público – é contra a autonomia do Banco Central e das agências reguladoras. É contra as privatizações e a lei das estatais. É contra uma reforma administrativa que viabilize um verdadeiro corte de gastos, dificultando que alcancemos o equilíbrio fiscal. É favorável ao uso político dos bancos públicos e à escolha governamental de complexos industriais estratégicos para privilegiar investimentos públicos. São indicadores inquestionáveis de que temos um governo estatista (e, a rigor, contra-liberal). E dizer isso em nada refresca o governo anterior, que era iliberal (no sentido político do termo) e golpista (à moda antiga).
Pior do que isso. Nosso governo atual e seu partido são hegemonistas. Não querem dar um golpe de Estado (à moda antiga, nem exatamente à moda contemporânea: por exemplo, alterando a Constituição para abolir a rotatividade democrática ou intervindo na suprema corte para modificar de uma vez sua composição, ao estilo chavista).
O diagrama abaixo resume essa estratégia de conquista de hegemonia do populismo lulopetista:
Lenta e progressivamente, o lulopetismo vem, nos últimos trinta anos, conquistando hegemonia sobre a sociedade: capturando as universidades, as corporações, os movimentos sociais e as ONGs, o serviço público, o setor artístico, os meios jurídicos, os institutos de pesquisa de opinião, as agências de checagem e a imprensa, para forjar uma opinião pública que seja favorável à sua eternização no poder.
Nem de longe o populismo rude bolsonarista poderá fazer frente à uma ameaça com tal grau de sofisticação. Só o surgimento de uma alternativa não-populista poderá nos livrar desse mau caminho, salvaguardando nossa democracia.
O que vai acontecer com a democracia brasileira? Depende de nós – dos que queremos nos ver livres da polarização entre dois populismos.
Bom dia Revista ID
Foi meu primeiro artigo do dia, abri pelo X.
Artigo irreparável
Estamos sendo jogados num abismo profundo.
Milhões na pobreza, já estão lá.
Seremos os próximos?
Sim.
A minha renda salarial hoje se enquadra neste quadro - chegaremos a miseráveis até o fim deste governo Maledeto.
Aposto que sim.
E vocês?
Nao acredito em cessão de poder pelo argumento. Atualmente, em virtude de sucessíveis governantes fracos, tanto Legislativo (via orçamento) quanto Judiciário (via ativismo judicial) travam uma guerra pelo que poderá ser o espólio da República. Entendo que o populismo e a consequente polarização da sociedade em volta de duas personalidades "antagônicas" foi a principal causa da ascensão daqueles dois poderes, mas não creio que seja a chave para uma possível reversão desse processo. A eleição de uma figura não populista, mas sem um apoio massivo por parte da sociedade não seria suficiente para tomarmos um rumo. Essa figura seria tratorada por Legislativo e Judiciário. Somente uma candidatura que consiga unir polos atualmente opostos e que, principalmente, consiga despertar a grande massa de cidadãos que não se deixaram levar pelo populismo, mas que se encontram entorpecidos por um ambiente árido em expectativas poderá ser capaz de reaver a capacidade de condução de um movimento de reequilíbrio de poderes e construção de um projeto de longuíssimo prazo. Mas será que é possível isso acontecer em um país de semianalfabetos, sem ser por uma figura paternalista?