Há uma cultura democrática na base da sociedade americana, sobretudo nas grandes cidades das costas leste e oeste (mas não nas zonas rurais do grande "centrão" do país). É essa cultura que ainda mantém a democracia nos EUA - a defesa de um modo de vida democrático - não mais a cultura predominante no establishment político, não a resiliência das instituições (muitas das quais defasados, como o sistema eleitoral), não o sistema judicial (e a suprema corte), não as direções dos maiores partidos - que sempre quiseram, desde os Pais Fundadores, uma república governável (de inspiração romana, oligárquica e aristocrática, que tomava a ordem como sentido da política) muito mais do que uma democracia (de inspiração ateniense, que tomava a liberdade como sentido da política).
Os EUA não são mais, há muito tempo, uma democracia plena (e sim flawed) e está em jogo, neste momento, até quando vão poder continuar sendo considerados uma democracia liberal (categoria à qual se juntou, muito tardiamente, somente em 1969). Essa cultura democrática - que cresceu a partir da extraordinária acumulação de capital social, em especial na Nova Inglaterra, a partir de meados do século 19 (registrada por Alexis de Tocqueville) - é o único fator que pode impedir a nova eleição do populista-autoritário boçal Donald Trump. Mas o capital social americano vem sendo continuamente dilapidado, seja pela centralização em Washington e pela multicentralização na maioria dos estados, seja pela recorrência sistemática aos tribunais para resolver qualquer dilema banal da ação coletiva, seja pelo complexo científico-industrial-militar e, claro, pelas guerras.
Agora estamos prestes a ver o que sobrou dessa cultura democrática. Oremos!
Enquanto isso… é bom reavaliar alguns mitos sobre a democracia americana.
São míticas as afirmações de que os Estados Unidos foram o primeiro país democrático, são a maior e a melhor democracia do mundo e são modelo de democracia plena.
Os EUA forem o quarto país a adotar um regime eleitoral, na onda pré-democrática que vai de 1790 a 1848. Tivemos Inglaterra e Irlanda em 1790 e França em 1792. Os EUA só vieram em 1796, juntamente com Bélgica e Holanda.
Os EUA também foram retardatários na primeira onda de democratização que vai de 1849 a 1921. Só viraram democracia eleitoral em 1921, juntamente com o Canadá.
Além disso os EUA foram retardatários em termos de adotar a democracia liberal. A Suíça já foi democracia liberal em 1849, a Austrália em 1858, a Bélgica em 1897, a Dinamarca em 1902, a Noruega em 1906, a Nova Zelândia em 1913, a Holanda em 1918 e a Inglaterra em 1919. Os EUA só viraram uma democracia liberal em 1969.
E hoje os EUA estão em trigésimo lugar no ranking de democracia da The Economist Intelligence Unit.
Esta nota foi redigida por Augusto de Franco, do staff de Inteligência Democrática.
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