O Brasil não tem a menor condição de entrar em nenhum tipo de guerra contra os EUA, nem guerra comercial ou conflito diplomático em que corra o risco de ser considerado país inimigo pela maior potência econômica e militar do planeta. Isso poderá escalar para um rompimento ou afastamento sério que acabará prejudicando os negócios mútuos, desestabilizando toda a região com graves consequências geopolíticas e geoeconômicas. Recomenda-se, portanto, a máxima prudência. O contrário do que Lula vem fazendo.
Não é espírito de independência o que move Lula ao provocar Trump, dia sim e outro também, e sim uma irresponsabilidade. Está escalando o conflito por motivos vis, apenas para obter vantagens eleitorais. Como não conseguiu, via propaganda oficial, aumentar seus índices de popularidade, Lula apelou para a patriotada fácil, querendo reunir a população em torno dele contra inimigos externos e internos e, para tanto, insuflando um nacionalismo populista de folhetim. O objetivo final, entretanto, é eleitoreiro: rotular quem não o apoia como traidor da pátria para batê-lo mais facilmente nas urnas de 2026 - mesmo que não seja um bolsonarista e nada tenha a ver com o trumpismo.
Trump está errado, é claro, mas não só em relação ao Brasil e sim ao conjunto das nações democráticas, tradicionais aliadas dos Estados Unidos. Trump está errado porque é um nacional-populista autoritário, portanto, iliberal, que está erodindo a democracia americana e destruindo a ordem liberal internacional. Trump está errado ao decretar sanções tarifárias contra o Brasil que atingem empresas e pessoas que nada têm a ver com o governo Lula.
Mas nada disso torna Lula certo. Lula não está certo ao alinhar o Brasil ao eixo autocrático (Rússia, China, Irã etc.) contra as democracias liberais. Lula não está certo ao se aproveitar do Brics para atacar (praticamente sozinho) o dólar como moeda de referência internacional. Lula não está certo ao querer se promover como a principal liderança do Sul Global (uma espécie de terceiro-mundismo requentado) usando uma retórica revolucionária mofada, típica do século 20, em desafio não apenas ao governo dos Estados Unidos, mas ao ocidente democrático como um todo.
Trump e Lula estão, por razões distintas, ambos errados. Acontece infelizmente na história.
Mas é preciso apontar os erros políticos fundamentais de Lula, não seus defeitos incorrigíveis, perfunctórios. Por exemplo, Lula não é homofóbico porque disse que Pelotas exportava viados, muito menos racista porque escarneceu do negro desdentado. Isso faz parte da cultura em que ele nasceu e viveu grande parte da vida. Embora qualquer outro que fizesse isso seria apedrejado em praça pública pela esquerda identitarista.
Também não é certo que Lula seja antissemita porque sempre se alinhou à OLP e ao Irã contra Israel (e repete mundo afora as versões do Hamas, que não reconhece como organização terrorista).
Mas uma coisa é certa. Ele, Lula, se comporta como um agente do eixo autocrático: sempre combateu o imperialismo norte-americano (mesmo quando os EUA estavam sob os governos democráticos de Clinton, Obama e Biden, muito antes de Trump ser presidente), mas não combate o imperialismo russo que violou de fato a soberania da Ucrânia (e vive flertando com o ditador e assassino Vladimir Putin); não condenou Maduro por atacar a soberania da Guiana (nem por fraudar as eleições); e continua mentindo ao repetir até hoje que Cuba sofre bloqueio (quando, na verdade, se trata de um embargo).
Dizer que Lula é democrata porque navega na nossa democracia não-liberal é o fim da picada. Todos os populistas, de esquerda ou de direita, fazem isso e são, cada qual a seu modo, adversários da democracia liberal. Não querer dar golpe de Estado (à moda antiga) não qualifica ninguém como democrata. Existem outros modos de erodir a democracia.
O populismo de direita, em geral, quer dar golpe de Estado para acabar com o regime democrático. O populismo de esquerda, também em geral, não quer dar golpe de Estado, mas conquistar hegemonia sobre a sociedade e aparelhar o Estado para iliberalizar o regime democrático. Guardem essa palavra: iliberalizar.
Mas seria errado dizer que é só a direita que dá golpe, a esquerda nunca. Em primeiro lugar, isso falsifica a análise. Democracias não sucumbem unicamente via golpe de Estado (à moda antiga). Elas são erodidas por dentro por forças políticas populistas, que tanto podem ser de direita como de esquerda.
Em segundo lugar, os que afirmam isso parecem ter esquecido o que aconteceu na Venezuela sob Chávez (e depois Maduro) e na Nicarágua sob Ortega - que viraram ditaduras de esquerda. E também esqueceram as tentativas populistas de esquerda de iliberalizar o regime democrático em El Salvador sob Funes (e depois Ceren), no Paraguai sob Lugo, no México sob Obrador, em Honduras sob Zelaya, na Bolívia sob Evo (e depois Arce). E não veem o que ocorre atualmente no México sob Cláudia, em Honduras sob Xiomara, na Colômbia sob Petro e no Brasil sob Lula - todos alinhados politicamente ao eixo autocrático (Rússia, China, Irã, Cuba etc.).
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