Três entendimentos comuns são necessários para dar curso a uma conversa produtiva sobre a nossa situação atual.
1) O Brasil é uma democracia?
Sim, segundo o V-Dem é uma democracia eleitoral (não-liberal). Sim, segundo a The Economist Intelligence Unit é uma democracia defeituosa (não-plena).
Estão equivocados tanto aqueles que dizem que o regime político vigente no Brasil é uma ditadura quanto aqueles que sustentam que vivemos numa democracia liberal. Nem uma coisa, nem outra. Temos um regime eleitoral sob risco de entrar em transição autocratizante enquanto permanecer parasitado por populismos (tanto no governo, quanto na oposição majoritária).
2) O regime político brasileiro está parasitado por um governo populista?
Sim, o governo Lula é populista de esquerda. Sim, existe populismo de esquerda, que é tão iliberal (ou não-liberal) quanto o populismo de direita (ou extrema-direita).
Estão equivocados tanto aqueles que defendem que o governo Lula é popular e não populista, quanto aqueles que afirmam que só existe populismo de direita (ou extrema-direita). O populismo é um comportamento político, não uma ideologia. Os comportamentos políticos realmente praticados são determinantes, não as ideologias confessadas. As narrativas de que as forças políticas se dividem em conservadores, liberais e socialistas e enganosa. Essa classificação por ideologias não capta os comportamentos políticos, como os populismos.
Direitistas podem ser populistas e ditos conservadores (em geral reacionários disfarçados de conservadores) podem ser populistas - e a prova é que bolsonaristas são populistas. Esquerdistas podem ser populistas e socialistas (ou revolucionários travestidos de progressistas) podem ser populistas - e a prova é que lulopetistas são populistas.
3) A que tipo de regime político o governo brasileiro se alinha preferencialmente?
O governo Lula se alinha preferencialmente a regimes parasitados por governos populistas de esquerda (como México, Honduras, Colômbia, Bolívia, África do Sul) e a regimes ditatoriais (como Rússia, China, Irã, Angola, Cuba, Venezuela, Nicarágua), não a regimes democráticos liberais (como Canadá, Costa Rica, Chile, Uruguai, União Europeia, Suíça, Noruega, Reino Unido, Taiwan, Coreia do Sul, Japão, Austrália, Nova Zelândia).
Nas Américas os regimes iliberais do México, Honduras, Colômbia, Bolívia (sem falar de Venezuela e Nicarágua que viraram ditaduras) - são os parceiros preferenciais do governo Lula (em vez das democracias liberais do Canadá, Costa Rica, Uruguai e Chile). Não, esses regimes não são parasitados por populismos de direita e sim de esquerda (assim como é de esquerda o populismo do governo brasileiro). Sim, não são apenas os populismos de direita ou extrema-direita (como o de El Salvador e agora dos EUA e Argentina) que ameaçam a democracia. Os populismos de esquerda também ameaçam a democracia.
Infelizmente a referência da esquerda latino-americana não foi Pepe Mujica e não é Gabriel Boric. Foi Fidel Castro e Che Guevara. Havana foi - e o espantoso é que continue sendo - o vaticano da esquerda populista. Isso explica muita coisa que já passou ou que continua. Explica Lula e o PT. Explica o Foro de São Paulo. Explica Lugo (Paraguai), Funes e Cerén (El Salvador). Explica Obrador (México), Zelaya (Honduras), Correa (Equador), Ortega (Nicarágua), Chávez e Maduro (Venezuela), as FARC e Petro (Colômbia), Evo e Arce (Bolívia).
Todas as evidências apontam que o governo Lula se alinha preferencialmente aos governos populistas de esquerda e aos regimes ditatoriais, em geral de esquerda; mas não só, pois a ditadura russa (às vezes considerada como de extrema-direita) também figura na lista desses aliados preferenciais.
Por que isso acontece? A explicação é óbvia: porque o governo Lula é populista e, como tal, iliberal.