Para resistir aos populismos
Bruno Fernando Riffel, Inteligência Democrática (09/10/2025)
Uma democracia não se mantém por inércia. Corrói-se quando normas se desgastam, quando o cálculo técnico suplanta o juízo político, quando a gestão ocupa o lugar do debate público, e quando o populismo a parasita com o aparelhamento de Estado. A autocracia infiltra-se sob o disfarce da eficiência, apoiada em convicções de doutrinas.
Manter a democracia como obra contínua exige entendê-la como convivência. Isso se manifesta na interação social, notadamente em redes distribuídas. A emoção mobiliza as pessoas, que criam associações voluntárias e ambientes de cooperação. Sem isso, o indivíduo se isola e a esfera pública enfraquece. A chave é multiplicar vínculos horizontais: apoiar organizações independentes, incentivar arranjos comunitários e abrir canais de participação que enfrentem problemas concretos.
Outro antídoto está na cultura: liberdade de pensamento e de expressão como base do dissenso. O avanço científico, artístico e político depende de ambientes que os sustentem. As instituições se fragilizam quando a opinião pública se transforma em propaganda, quando o debate se confunde com linchamento e quando a política se apresenta como certeza inquestionável. A política pede abertura ao imprevisto e disposição para rever decisões.
Importa desmontar os incentivos que alimentam a polarização e neutralizar aspectos irrelevantes que surgem no dia a dia e que a mantêm em cena. Plataformas e campanhas atraem pela descarga emocional. A resposta deve privilegiar informação verificável, fontes rastreáveis e interações qualificadas, que questionem a desinformação e protejam eleições de ataques coordenados.
No plano institucional, a força da democracia nasce da impessoalidade das leis e da previsibilidade dos procedimentos. Não há legitimidade sem tribunais independentes, órgãos de fiscalização eficazes, imprensa livre e acesso à informação. Costumes políticos — como aceitar derrotas, respeitar mandatos, conter a retórica da humilhação, preservar a civilidade no desacordo e assegurar alternância de poder — são indispensáveis. Sem eles, a letra constitucional se esvazia, e a eficiência convertida em urgência abre caminho ao autoritarismo.
A cultura democrática interna reflete-se no exterior: sociedades que regulam conflitos sem violência tendem a optar por mediação, sanções proporcionais e alianças defensivas. O controle civil das forças armadas e a transparência orçamentária garantem que a força só seja usada como último recurso. A defesa das fronteiras democráticas começa na cooperação institucional e no estímulo a outras democracias.
O recomeço se faz com novas interações, grupos e práticas que mantenham vivo o espaço público. Falar com quem nos contraria, aceitar limites, partilhar vitórias e perdas, colaborar com empatia e respeitar regras mesmo desfavoráveis são condições para corrigir rumos sem ressentimentos.
A continuidade da democracia depende do respeito às instituições e ancora-se na liberdade, manifestando-se em gestos cotidianos de reconhecer a dignidade das pessoas e de promover a convivência plural.