Você já deve ter ouvido falar que há uma internacional fascista de extrema-direita que ameaça a democracia no mundo. Possivelmente ouviu também que essa é a única ou a principal ameaça à democracia nos tempos que correm. Mas será mesmo?
Com efeito, existem muitos líderes emergentes nacional-populistas (ou populistas-autoritários), ditos de direita ou extrema-direita, que se opõem à democracia liberal. Alguns desses líderes não estão (ou não estão mais) chefiando governos. Para citar alguns exemplos, Le Pen (na França), Weidel (na Alemanha), Farage (no Reino Unido), Wilders (na Holanda), Abascal (na Espanha), Ventura (em Portugal), Purra (na Finlândia), Bolsonaro (no Brasil) e até Kamiya (no Japão). Todos fora de governos.
Mas chefiando governos de fato não temos tantos líderes que possam ser classificados como de extrema-direita. Talvez sejam menos de 10. Trump (nos EUA), Orbán (na Hungria), Erdogan (na Turquia), Bukele (em El Salvador), Fico (na Eslováquia, embora isso seja meio duvidoso), Netanyahu (em Israel). Possivelmente, mas com posição ainda incerta, temos Modi (na Índia), Meloni (na Itália) e Milei (na Argentina).
Somando tudo, os certos e os duvidosos, temos 9.
Mas líderes autoritários ou neopopulistas ditos de esquerda (ou socialistas), como Xi Jinping (da China), Kim Jong-un (da Coreia do Norte), Bouphavanh (do Laos), Chính (do Vietnam), Lourenço (de Angola), Canel (de Cuba), Maduro (da Venezuela) e Ortega (da Nicarágua) estão governando atualmente. Além disso, Putin e Lukashenko, apoiados não só por setores da direita ou extrema-direita, mas com certeza também pela esquerda, estão governando há muito tempo a Rússia e Belarus.
E temos ainda Claudia (no México), Xiomara (em Honduras), Petro (na Colômbia), Arce (na Bolívia), Lula (no Brasil), Ramaphosa (na África do Sul) e Subianto (na Indonésia - a única autocracia desse grupo), que não são ditadores, mas se alinham à ala esquerda do eixo autocrático.
Tudo isso soma, no mínimo, 17.
Para não falar das muitas ditaduras islâmicas (como o Irã), algumas também apoiadas pela esquerda e das várias ditaduras asiáticas (como Cazaquistão e Uzbequistão) e africanas (como Congo DR, Nigéria, Uganda) sob controle da Rússia ou da China.
Isso quer dizer que a soma total pode chegar a bem mais de 20 (talvez 30).
Ora, todos os ditadores e todos os que se alinham ao eixo das ditaduras - seja na sua ala dita de direita ou extrema-direita, seja na sua ala dita de esquerda ou apoiada pela esquerda (muito mais numerosa e mais poderosa em termos econômicos e militares, com a única exceção dos EUA, que continua sendo uma democracia liberal apesar de Trump) - ameaçam a democracia liberal.
Um bom exemplo é o BRICS, composto por 82% de ditaduras no conjunto dos seus 11 membros plenos e por 80% de ditaduras no conjunto dos seus 10 países parceiros (se usarmos a classificação do V-Dem). A maioria desses países com regimes ditatoriais ou com governos não-ditatoriais porém alinhados ao eixo das ditaduras, está claramente no campo da esquerda (ou sob influência predominante da esquerda).
Então, como se pode dizer que a extrema-direita é a única ou a principal ameaça à democracia?
Foto: Pham Minh Chinh, Primeiro-Ministro do Vietnam e Secretário-Geral do Partido Comunista do Vietnam.
A lógica Cartesiana não se aplica à esquerda. Por se denominarem os detentores de toda ética, virtude e decência (sendo exatamente o oposto), tudo que fazem se justifica pela “causa”. Ainda que esta, seja o interesse de uma casta em se estabelecer e eternizar no poder. À qualquer custo, inclusive da liberdade e da vida de seus opositores.