Receita para viver em um Estado tirano
Bruno Fernando Riffel, Inteligência Democrática (26/09/2025)
Jogue fora a sua individualidade. Pessoas diferentes complicam, atrasam a produção e ainda têm ideias próprias. Mais eficiente é colocá-las em uniformes, ajustar os cabelos e atribuir números em vez de nomes. Família? Romantismo fora de moda. O amor atrapalha a eficiência. O Estado cuida de tudo com zelo — desde que o zelo permaneça distribuído sem desvios.
A verdade custa caro. Melhor optar por versões práticas, sempre renovadas. O passado deve confirmar o presente, e o presente preparar o passado de amanhã. A história, afinal, é um texto em rascunho perpétuo. A linguagem ajuda: reduz-se o vocabulário a meia dúzia de palavras úteis, e qualquer crítica desaparece por falta de meios para ser expressa. Livros, pinturas, esculturas, poemas… melhor não correr risco. Imaginar continua sendo um passo perigoso na direção errada.
O espetáculo não estaria completo sem a atmosfera adequada. O medo, com sua elegância discreta, entra em cena. Nada de elaborado: câmeras, vizinhos atentos, corpos frios expostos em locais estratégicos. Pedagogia eficaz, mais convincente que qualquer manual. A paz seria entediante. A guerra constante mantém todos ocupados e concentrados. A tortura, nessa lógica, deixa de ser um erro lamentável e passa a constituir uma atividade didática: não se faz para obter informação, mas para lembrar que pode ser feita.
O Estado, salvador, pede tudo. Em troca, oferece felicidade padronizada, estabilidade impecável e a tranquilidade de você não precisar decidir nada. Liberdade: conceito barulhento, cheio de arestas. Estabilidade: silenciosa, previsível, fácil de administrar. A hierarquia social organiza-se sem esforço: poucos decidem, todos obedecem convencidos de que essa é a ordem natural das coisas. O cidadão, com alguma sorte, ainda tem o privilégio de ser chamado de súdito.
O toque final: uma vida cotidiana transformada em ritual. A arquitetura monumental lembra a nossa pequenez. Cerimônias coreografadas preenchem o tempo com a solenidade necessária. Uniformes de cores escolhidas sinalizam a função de cada um. A pátria ganha status de entidade metafísica, a bandeira torna-se objeto de devoção, e o silêncio é elevado à condição de forma mais nobre de participação política.
Parece saído de ficções exageradas, mas funciona fora das páginas. O verdadeiro espanto está em acreditar que o presente é imune a tais experimentos. Afinal, quem se incomodaria com um pouco de ordem, de silêncio e de felicidade administrada, com casa, comida e roupa lavada?