Só quem viveu sob uma ditadura
Em 1979, com Raquel e Mariana, no Parque Amazônia, na época uma favela
Meu pai, o velho Chico, sapateiro e alpinista, era socialista. Nunca o vi tão triste como em 1964, quando ocorreu o golpe militar. Tinha eu 14 anos de idade quando me iniciei na vida política, no movimento secundarista do Colégio Pedro II.
Aos 18 entrei no Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro e fui logo para o diretório acadêmico. Daquela diretoria sobramos poucos: dois foram mortos no Araguaia, um foi baleado, outro sumiu e dos demais não tenho lembrança. Sobrevivi por pouco. Fui preso e solto várias vezes (algumas por razões inexplicáveis), fugi, escapei de cercos.
Nos tempos mais repressivos da ditadura fui morar no sul de Minas, no alto de um morro que, por ironia, se chamava Bairro Carioca. Lá me casei. Só voltei ao Rio e ao Instituto de Física uns seis meses depois do fim do governo Médici.
Fiquei dois anos em banho-maria, me esquivando aqui e ali e fui então morar numa favela nos limites da capital de Goiás, onde permaneci sete anos e nasceu minha primeira filha, em 1978. Ali retomei a luta contra a ditadura, organizando comunidades nas periferias e viajando pelo interior, num fusca amarelo, dormindo nas casas de lavradores, fazendo reuniões clandestinas, montando oposições sindicais e promovendo outros eventos para organizar um movimento político que se manteve ativo até o fim da ditadura. Naquela época enfrentei, além da repressão estatal, grupos paramilitares armados.
Toda minha juventude e início da idade adulta, dos 14 aos 35 anos, foi vivida sob uma ditadura. Algum dia conto as muitas aventuras e desventuras dessa trajetória.
Por ora registro apenas que essa experiência não pode ser substituída completamente pela leitura de relatos. Muitos dos que hoje atemorizam os outros falando dos perigos de um golpe militar não fazem a menor ideia do que é viver, durante quase duas décadas, sob o domínio do medo: medo constante de ser preso ou morto. Talvez por isso não tenham aprendido a valorizar a democracia.
Eu mesmo me converti tardiamente à democracia, só alguns anos após a queda do muro de Berlim. Muro que, infelizmente, não caiu ainda dentro da cabeça de muitos "antifascistas" que estão por aí posando de democratas.
Publicado originalmente no X em 29/12/2024.
Olá, Augusto!
Acompanho virtualmente vc há muitos anos, embora frequente pouco as redes sociais. Ainda tenho uma cópia daqui relato seu sobre por que deixou o PT e a história sobre ter trabalhado com a prof. Ruth Cardoso, que vc tanto admirava. Vc tbm é uma pessoa que admiro, Augusto.
Muito bom e instrutivo esse seu testemunho sobre a ditadura, que tbm conheci de perto, mas sem nunca ter sido filiada a nenhum partido. Eu só transitava entre os movimentos ditos de esquerda. (Tenho 75 anos.)
Abraço grande!