Sobre a regulação das mídias sociais
Vamos ver se o Elon Musk vai censurar este post
(Artigo originalmente publicado no X em 08/01/2025)
Mídias sociais não são redes sociais. Redes sociais são pessoas interagindo, enquanto estão interagindo, por qualquer mídia, inclusive por sinais de fumaça, tambores, cartas escritas em papel e levadas pelo correio a cavalo (como no Network da Filadélfia, que redigiu em rede, a várias mãos, a Declaração de Independência dos Estados Unidos), por conversações presenciais etc. Redes sociais não são dispositivos, sites, plataformas, tecnologias e sim pessoas. Não uma simples coleção de pessoas e sim as pessoas e o que está acontecendo entre elas.
Esperava-se que as mídias sociais fossem bons instrumentos de netweaving, quer dizer, de articulação e animação de verdadeiras redes sociais. Mas elas viraram meios de broadcasting, ou seja, de transmissão um-para-muitos e os algoritmos bolados pelas grandes bigtechs não serviram aos propósitos esperados e nem ensejaram a formação de nova ágora para o debate público, isto é, para democratizar o processo de formação da opinião pública.
Mas, apesar desses problemas, as mídias sociais que temos são meios que as pessoas podem usar para proferir suas opiniões em ambientes coletivos. Mesmo que esse processo venha sendo falsificado - com a permissão e, mais grave, com a indução dos algoritmos caixas-pretas - pela ação organizada de gangues virtuais populistas (notadamente nacional-populistas de extrema-direita), de grupos de militantes (neopopulistas de esquerda) e, pior ainda, por robôs e agentes a serviço de governos tirânicos do eixo autocrático (Rússia, China, Coreia do Norte, Irã e seus braços terroristas etc.) na sua guerra contra as democracias liberais.
Mesmo com tudo isso, repita-se, as mídias sociais, ainda que tenham origens e donos privados, viraram um patrimônio público - em alguns casos os únicos ambientes de pronta-resposta política (como o X, independentemente do seu proprietário ser um oligarca tecnológico aliado, provavelmente tático e temporário, da extrema-direita). Afinal... é no X que estou escrevendo este artigo e creio que ele não será censurado, nem escondido, pelo algoritmo do inimigo público número 1 da hora, o malvadão Elon Musk.
A esquerda hegemônica populista, que está hoje nos governos do Brasil e de vários países da América Latina (México, Honduras, Colômbia, Bolívia - para não falar de Cuba, que é uma ditadura e não uma democracia parasitada pelo populismo de esquerda, mas incentivou o florescimento do neopopulismo) - foi retardatária na aprendizaagem do uso instrumental das mídias sociais para propósitos políticos. Por isso ela é minoritária nas mídias sociais mais conhecidas (ainda que esteja fazendo um esforço danado para colonizar o BlueSky). E por isso ela quer resolver o problema de não conseguir estabelecer sua hegemonia nessas mídias, não por via do engajamento e da proatividade no debate, na apresentação de propostas e sim por meio da "regulação social" (leia-se, partidário-estatal) dessas mídias. Quer recuperar o tempo perdido, mas "por cima", às vezes, como no Brasil, usando o poder judiciário (notadamente o STF) para censurar conteúdos que lhe desagradam e até para banir seus usuários que agem errado (do seu ponto de vista).
A esquerda populista alega que conteúdos falsos (fake news), desinformação, discurso de ódio e atentados ao Estado de direito e a suas instituições não devem ser permitidos nas mídias sociais. Eis o problema. Na medida em que esses supostos delitos não estão claramente tipificados em leis, quem vai decidir o que se enquadra ou não nesses tipos? Como nenhuma IA, por enquanto, consegue fazer isso, a responsabilidade por "regular" ou censurar mesmo recairá sempre em um grupo de seres humanos, muitas vezes pertencentes ao governo, ao judiciário ou a organizações da sociedade civil que, via de regra, atuam como correias de transmissão de um partido ou conjunto de partidos que está no poder.
O problema, tal como está colocado e diante das propostas de regulação apresentadas, não tem solução. O parlamento brasileiro, com todos os seus problemas, acertou ao se recusar, até agora, a legislar sobre a matéria. É uma posição legítima e não pode ser pretexto para o judiciário invadir a competência do legislativo com base numa estranha ideologia da 'democracia militante' (urdida por Karl Loewenstein em 1937) para coibir o Lügenpresse, sob a justificativa de que, para salvar a democracia vale tudo, até a adoção de métodos não democráticos.
O tema carece de debate amplo, sério e profundo. Mas a cada blague que profere o Musk, a cada declaração mais ou menos infeliz de Zuckerberg, dirigentes e militantes neopopulistas saem a campo gritando que temos que regular as mídias sociais ou então será o fim do mundo. Será?
O argumento mais usado e também o mais solerte é o de que os fascistas usam as mídias sociais para dar um golpe de Estado. Bem, se é assim, enquanto eles não dão o tal golpe (que cabe à polícia e a justiça investigar, processar e condenar) trata-se de enfrenta-los nas... mídias sociais. Esse argumento caviloso esconde, porém, um grande medo não revelado: o de perder as eleições. Por isso, na medida em que eleições se aproximam, eles acham necessário voltar à carga contra as mídias que não lhes fazem as vontades, se preciso decretando quarentenas eleitorais (como o STF fez com o X às vésperas das eleições de 2024). Aproximando-se 2026, tais ataques vão aumentar. Esses "democratas militantes" passarão a defender o bloqueio do X outra vez - e também do Facebook, do Instagram e do Threads (e talvez até do TikTok, como, aliás, acabou de fazer o ditador Maduro). Vão então ficar falando para eles mesmos no BlueSky (que tem uma regulação do bem), no Mastodon (onde se pode até guardar senhas) ou, quem sabe, em uma nova mídia social criada por uma estatal (como Luiz Marinho, ministro petista do Trabalho, quis fazer, chamando os Correios para criar um aplicativo que substituísse o Uber).
Tudo isso aumenta a polarização tóxica que está dividindo e sufocando a sociedade brasileira. Não pacifica nada. Põe mais lenha na fogueira. E não resolve coisa alguma. Quem é minoritário no parlamento federal, nos governos e parlamentos estaduais e municipais, nas ruas (desde 2013) e nas urnas (como comprovado em 2024), também é minoritário nas mídias sociais. Não há mágica regulatória capaz transformar essa minoria em maioria da noite para o dia. Nem em dois anos...
Augusto de Franco, bom dia!
Foi no X que te encontrei, há tempos, e encontrei grandes literários, jornalistas, economistas, comentaritas, encontrei até meu querido Diogo Mainardi
Ensino meus netos:
se a água está suja, não beba desta fonte, espere limpar ou vá matar a sua sede (de informação, e Vida, trabalho) em outra fonte cristalina.
Não espere encontrar sempre fontes cristalinas...a busca será sempre sua!
Bem vindo a minha fonte de aguas cristalinas, todos vocês do Substack
Muito pouco. E muito tarde.