É repetida ad nauseam, por certo jornalismo chapa-branca, a conversa de que Alexandre de Moraes salvou a democracia brasileira. Mas não existem - e ainda bem - indivíduos salvadores em uma democracia.
Se entendermos por salvar a democracia ter contribuído para impedir a reeleição do populista-autoritário Bolsonaro, dito de extrema-direita e adversário da democracia, então não foi Alexandre que fez isso e sim os democratas que votaram em Lula, mesmo aqueles que sabiam que ele era um líder populista de esquerda, historicamente alinhado a ditaduras e, portanto, também adversário, de outro modo, da democracia liberal.
Muitos apresentam o exemplo dos bloqueios da Polícia Rodoviária Federal como uma evidência de que o TSE salvou a nossa democracia. Honestamente, porém, não se pode dizer que a ação do TSE para impedir que a Polícia Rodoviária Federal mantivesse bloqueios rodoviários no dia do segundo turno, dificultando que eleitores de Lula chegassem às urnas e Bolsonaro fosse, então, reeleito, tenha salvado a democracia brasileira.
Ninguém sabe qual seria o número de votos perdidos com isso, por atraso, e nem quantos desses votos seriam dados a Lula.
Aliás, essa conversa de "salvar a democracia" é uma narrativa muito forçada e inconsistente. Em termos gerais e conceituais, já falei sobre isso, sem me referir ao caso pois em artigo escrito originalmente no início de 2021, bem antes do episódio, intitulado Não é possível salvar a democracia. Esse artigo deu origem a um capítulo de mesmo nome do meu mais recente livro, Como as democracias nascem.
Bolsonaro tinha, de fato, pretensões golpistas, como ficou demonstrado - o que também não significa que ele teria sido capaz de dar um golpe bem sucedido. Mas Lula, embora não tenha como estratégia dar um golpe de Estado, e sim conquistar hegemonia sobre a sociedade a partir do Estado aparelhado pelo partido, também não está tão convertido assim à democracia que fosse ou seja capaz de salvá-la.
Aqui, sim, as evidências abundam.
Se Lula estivesse convertido à democracia não estaria alinhando o Brasil às maiores ditaduras do planeta (como Rússia, China, Irã et coetera).
Se Lula estivesse convertido à democracia não continuaria hesitando tanto em condenar as ditaduras amigas da Venezuela, da Nicarágua, de Cuba, de Angola, nem se juntaria preferencialmente a governos populistas iliberais, como os do México, Honduras, Colômbia, Bolívia, África do Sul.
Se estivesse convertido à democracia não trabalharia para reeditar um terceiro-mundismo anti-ocidental e anti-imperialista, como se ainda vivêssemos no tempo da primeira guerra fria, antes da queda do muro de Berlim, que parece não ter caído completamente dentro da sua cabeça. Nem teria nos metido numa articulação política disfarçada de bloco econômico chamada BRICS, na qual não figura nem uma democracia liberal, mas apenas ditaduras cruéis e governos populistas.
Sim, Bolsonaro tinha intenções golpistas. Era o tipo de parasita que pode matar o hospedeiro. Lula não é igual a Bolsonaro e sim um parasita de outro tipo, que paralisa o hospedeiro, impedindo que nosso regime eleitoral ascenda à condição de democracia liberal ou plena.