Trump e Lula
Mais próximos do que parece
Há vários pontos de contato entre Trump e Lula. O principal é que ambos são contra as democracias liberais.
Vejamos. Ambos são populistas. Trump é um nacional-populista dito de direita (ou extrema-direita). Lula é um neopopulista que é dito (e se diz) de esquerda.
Como populistas, ambos são contrários à democracia liberal. Trump não está nem aí para qualquer democracia. Se pudesse, transformaria os EUA em uma autocracia (se depender do MAGA, no estilo Gileade, de O Conto da Aia, de Margaret Atwood). Lula ama de paixão eleições e quer manter a democracia (apenas) eleitoral como um meio de se manter no poder e dar continuidade à sua estratégia de conquistar hegemonia sobre a sociedade a partir do Estado aparelhado pelo partido.
Não por acaso ambos - Trump e Lula - admiram o ditador Vladimir Putin. E ambos o apoiam, objetivamente, na sua guerra contra a Europa, onde se concentra a imensa maioria das democracias liberais do planeta.
Isso tem implicações seriíssimas.
Putin está na vanguarda da netwar, a segunda grande guerra fria, a nova forma de guerra do século 21. Mas a segunda guerra fria não é um repeteco da primeira. Não é um bloco contra outro bloco, ideologicamente demarcados. Não é EUA (e Ocidente) contra China (no lugar da URSS e países da Cortina de Ferro). Os EUA sob Trump e seu movimento MAGA não defendem mais o chamado Ocidente (quer dizer, o mundo que preza a ordem liberal). A segunda guerra fria é uma guerra que pervade as fronteiras e se instala mundialmente em todos os países, polarizando e dividindo as sociedades nacionais. É uma guerra movida pelo eixo autocrático contra as democracias liberais
Sim, há um eixo autocrático em ascensão, reunindo as maiores autocracias do planeta: além da Rússia e da Bielorrússia, a China, a Índia, o Vietnam, o Laos, o Cazaquistão, o Uzbequistão e outras ditaduras asiáticas, o Irã e seus braços terroristas e outras ditaduras islâmicas (sobretudo do Oriente Médio), Angola e outras ditaduras africanas, Cuba, Venezuela e Nicarágua. Se alinham a esse eixo as autocracias eleitorais da Hungria e da Turquia e os regimes ainda considerados democráticos, porém em transição autocratizante, como o da Eslováquia.
A política externa do governo Lula é de alinhamento a esse eixo autocrático, juntamente com regimes eleitorais ainda não autoritários parasitados por governos populistas de esquerda, como os do México e da Colômbia e, até há pouco, os da Bolívia e de Honduras (onde o neopopulismo, dito de esquerda, foi derrotado eleitoralmente).
A política externa do governo Trump é a de enfraquecer as democracias liberais, sobretudo as da Europa e da Oceania (Austrália e Nova Zelândia), mas também as poucas que restaram na América Latina (como as da Costa Rica, do Uruguai e do Chile).
O importante aqui é que não é mais critério, para verificar alinhamentos políticos e geopolíticos, a velha divisão entre direita e esquerda. Putin e Khamenei, por exemplo, não podem ser adequadamente classificados como sendo de direita ou de esquerda. O critério agora, em plena segunda grande guerra fria, é quem é a favor e quem é contra às democracias liberais (ou plenas).
São considerados hoje (2025), pelo V-Dem e pela The Economist Intelligence Unit, como democracias liberais ou plenas (ou ambas), os regimes de menos de 35 países (em quase 200): Alemanha, Austrália, Áustria, Barbados, Bélgica, Canadá, Chéquia, Chile, Costa Rica, Dinamarca, Espanha, Estónia, EUA, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Irlanda, Islândia, Itália, Jamaica, Japão, Letônia, Luxemburgo, Maurício, Noruega, Nova Zelândia, Portugal, Reino Unido, Seicheles, Suécia, Suíça, Taiwan e Uruguai. Se esses países não articularem uma coalizão para defender seus próprios regimes políticos (e também o modo de vida democrático prevalecente em suas sociedades), mergulharemos numa nova idade das trevas que não se sabe quanto tempo durará.
Se depender de Trump e Lula essa articulação jamais acontecerá. Ambos, não obstante suas diferenças, estão objetivamente engajados na atual campanha de exterminação das democracias liberais da face da Terra.
Tanto faz se Trump tem como horizonte um mundo dividido em três grandes áreas de influência (aquele mundo ficcional do 1984 de George Orwell, que mantinha como inimigos permanentes a Oceania, a Eurásia e a Lestásia). Tanto faz se Lula é a favor de Putin porque é contra o imperalismo norte-americano. A questão é que ambos são contra as democracias liberais que remanesçam ou apareçam em qualquer área de influência das grandes potências.



