Um centro de gravidade democrático
Nem Lula, nem Bolsonaro, sim! Mas isso não é suficiente
Falo aqui de centro democrático, mas não estou me referindo a uma posição geometricamente equidistante dos extremos de esquerda e direita. É um centro de gravidade, em torno do qual os atores democráticos devem orbitar. Onde não há um centro democrático não há democracia liberal.
Para articular um centro democrático não basta ser contra a polarização Lula x Bolsonaro. Isso é o óbvio. É necessário também ser democrata, tomar a democracia como valor universal (como está escrito, com todas as letras, nos artigos de maio de 2024 e de fevereiro de 2025, que publicamos no Estadão: eu, o Roberto Freire, o Eduardo Jorge e o Gilberto Natalini). Isso significa não ser estatista, nem iliberal.
Como muitos sabem, trabalhamos para a articulação de um centro de gravidade democrático na política brasileira. Esse campo não se define pela afirmação (correta) "Nem Lula, nem Bolsonaro". Para dele participar é necessário ser um democrata (ou seja, não ser populista, ou não ser iliberal, ou não ser estatista - seja dito de direita ou de esquerda). Por exemplo, se Enéas Carneiro reencarnasse e aparecesse dizendo que é contra Lula e contra Bolsonaro, não estaria nesse campo por causa disso. Dei um exemplo fictício para não ferir suscetibilidades, mas acho que dá para entender.
Continuando com exemplos fictícios. Se aparecesse aqui um Xi Jinping dizendo ser contra Lula e Bolsonaro, ele não estaria nesse campo por causa disso. Se aparecesse um Nayib Bukele dizendo ser contra Lula e Bolsonaro, ele não estaria nesse campo por causa disso. Se aparecesse um identitarista-raiz ou um antifascista radical (tipo Antifas) dizendo ser contra Lula e Bolsonaro, eles não estariam nesse campo por causa disso.
Concretizando agora com um exemplo (que poderia ser) real: se Pablo Marçal resolvesse romper com o bolsonarismo e afirmasse ser contra Lula e Bolsonaro, ele não estaria nesse campo por causa disso.
Por outro lado, políticos "normais", que aceitem o jogo político formal que ocorre nas democracias (e não se apresentem como salvadores, redentores ou portadores do único projeto capaz de catapultar o Brasil para figurar entre as nações mais desenvolvidas do mundo) do tipo Baleia Rossi, Michel Temer, Eduardo Leite ou Gilberto Kassab - mesmo que não sejam candidatos ou não tenham a menor chance de vitória como candidatos na atual conjuntura - estariam, sim, nesse campo conformado por um centro de gravidade democrático.
Que fique claro. Não estou falando de candidatos ou de candidaturas e sim de atores políticos situados no campo conformado por um centro de gravidade democrático.
Nossa democracia terá em breve uma chance, uma janela estreita que se abrirá e se fechará em seguida. Afastar Bolsonaro da política e isolar o bolsonarismo. Simultaneamente, derrotar Lula e isolar o lulopetismo. Feito isso, é preciso ficar alerta para que algum aventureiro iliberal não queira se aproveitar do vácuo dos populismos para ser o novo salvador.
"Por exemplo, se Enéas Carneiro reencarnasse e aparecesse dizendo que é contra Lula e contra Bolsonaro, não estaria nesse campo por causa disso" -e eis um bom exemplo de alguém que,se tivesse vivo,seria realmente contra esses dois.