Você é um súdito?
“Não são escravos nem súditos de ninguém.”
Afirmou o personagem Corifeu, em referência ao regime do povo que não tem um senhor: o primeiro registro escrito sobre a democracia. Ésquilo, há cerca de 2.500 anos, em Os Persas.
Democracia é um modo de estar com os outros que começa no berço, segue pela casa, pela escola, passa pelo mercado de trabalho e chega à aposentadoria. Consiste em preservar, ampliar e proteger a autonomia de pessoas que, desde pequenas — ou a partir da insuportabilidade de uma circunstância —, aprenderam a se ver e ver o outro como sujeitos legítimos. É organizar a convivência dos muitos sem esmagar a singularidade de cada um.
Ser humano é oferecer cuidado e receber confiança. Testamos isso ao partilhar brinquedos, discutir regras improvisadas e interagir depois de uma ofensa. Quando crianças brincam nos espaços onde mais convivem, o jogo se torna um laboratório de liberdade: aprende-se a parar, recomeçar, negociar, reconhecer o erro e perdoar.
Troque esse ambiente por metas, planilhas e mensagens frenéticas cobrando desempenho. Substitua a pergunta “como você está?” por “quantos pontos você fez?” — e a relação desmonta. A criança vira projeto, o resultado vira currículo e a autoestima, índice. Forma-se um adulto treinado a desconfiar de si e do outro. A competição mina a cooperação: é um fenômeno cultural que se constitui pela negação do outro.
Esta é a média do mundo corporativo: filas, carimbos, senhas, rankings, metas e métricas. A escola imita o mercado; o mercado imita a máquina. A mensagem subentendida é direta: estamos competindo, adapte-se. O colega vira obstáculo, o grupo vira plateia e a cooperação vira suspeita.
Essa perda produz uma nostalgia difusa: saudade de vínculos confiáveis, de relações em que ninguém precise se impor para ser ouvido, de espaços onde o desacordo não represente derrota irreversível.
Você deve recordar uma situação em que sua capacidade tenha sido subjugada e substituída por exigências de obediência — assim como deve lembrar-se de ocasiões em que alguém confiou em você mais do que você mesmo confiava. Esse contraste marca a vida da gente.
O maior desafio contemporâneo é reinstalar no cotidiano o que um dia aprendemos brincando: escuta mútua, responsabilidade compartilhada e cuidados. Trata-se de recusar a servidão — sobretudo quando ela vem adornada com discursos de eficiência, ordem e proteção.
Democracias maduras lidam com tensões e conflitos civilizados. Pequenos espaços próximos que promovem interação funcionam como escolas de liberdade. Ali se aprende a escolher, discutir, decidir, errar, avaliar e corrigir. Aprende-se, também, a reivindicar direitos, indicando as condições que os possibilitam.
O problema surge quando o desacordo se decide pela força, pelo medo ou por vantagens clandestinas. Quando decisões públicas são tomadas longe demais, a participação se torna ficção; quando estão próximas, formam caráter.
Projetos autoritários sabem onde atacar: em vez de gerar confiança e mentes autônomas, tentam controlá-las. Começam pela primeira infância, porque ali se constrói a confiança; avançam sobre a memória, porque ela delimita o que pode ser repetido; restringem a vida local, porque nela as pessoas percebem a força que têm. Quando um sistema decide fabricar cidadãos previsíveis, restringe primeiro a imaginação, depois as palavras e, por fim, as companhias.
Faça você uma análise crítica dos fatos: ninguém deve transferir a outro a responsabilidade de pensar. Nenhum tirano se sustenta sem gente acostumada a baixar a cabeça. Depende de nós termos liberdade com segurança para seguirmos juntos como pessoas.




