Democracia militante e os limites do poder judiciário - 2
A manutenção do apelo civil às nossas instituições
Diogo Dutra, Inteligência Democrática (10/09/2024)
Em nosso artigo anterior na Revista ID, intitulado Democracia militante e os limites do poder judiciário, tomado por uma inquietação e uma certa expectativa de que boa parte dos ministros do supremo pudessem agir (no caso, politicamente) para conter a escalada de ações limítrofes do Ministro Alexandre de Moraes, escrevemos um e-mail-carta que enviamos, e convidamos outros a também fazê-lo, para todos os ministros do STF.
Porém, nessa última semana fomos surpreendidos por uma plenária corporativista e, aparentemente, pouco preocupada com os pontos que alertamos. Talvez haja algum fantasma carregado do dia 8 de janeiro e um medo de que qualquer desautorização das ações de Moraes possa acarretar recuo nas decisões anteriores. Não sabemos. Porém é preocupante perceber a ausência de posicionamentos mais agudos por parte de alguns ministros. A questão vai além da plataforma X ou das atitudes de Elon Musk, que deveria ser pauta do Congresso (e da sociedade) em algum formato de regulação das redes sociais.
Existe sim um mérito técnico nas decisões judiciais sobre fake news e as redes sociais, mas o problema maior reside na desproporção da sequência e velocidade dessas ações. É cada vez mais visível que o uso recorrente do inquérito das fake news, criado em um momento de urgência democrática, está sendo estendido de forma excessiva. Esse medo de uma conspiração ou golpe, que pode ter sido pertinente em outros contextos, precisa ser reavaliado. O perigo agora reside no uso exagerado de instrumentos que deveriam ser excepcionais, resultando em um ambiente de polarização judicial que pode trazer consequências tão danosas quanto (ou até piores) as vistas no pós-Lava Jato. É preciso que a sociedade civil, particularmente os grupos não alinhados ao bolsonarismo, aumentem a pressão sobre o STF para que haja um recuo nesses excessos.
Uma segunda carta, agora aos senadores da República
Em consonância com esse apelo, redigimos uma segunda carta, que foi enviada por pessoas comuns aos senadores da República, destacando a importância de manter a integridade democrática e o papel político do Senado nesse contexto. A carta, reproduzida abaixo, serve como exemplo de uma ação cidadã que busca dialogar diretamente com os atores institucionais, pedindo uma ação mais concreta do legislativo sobre esse movimento de "democracia militante" que pode acabar se tornando um tiro pela culatra na nossa democracia brasileira:
Excelentíssimos Senhores Senadores da República,
Escrevo a Vossas Excelências com o mais profundo respeito e preocupação, dirigindo-me a todos os ilustres membros do Senado Federal em defesa de nossa democracia e do Estado de Direito. Recentemente, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por unanimidade, manter a suspensão monocrática do ministro Alexandre de Moraes à plataforma X.
Independentemente do mérito da questão, é evidente que a escalada de ações por ambas as partes envolve uma preocupação que deveria ser abordada dentro de um marco regulatório das redes sociais, algo que cabe ao Congresso Nacional, após ampla discussão com a sociedade, e não exclusivamente à Suprema Corte, que tem tratado desse processo dentro de um inquérito sobre fake news, que muitos consideram inflado e já insustentável.
No entanto, a preocupação que motiva esta mensagem vai além dessa questão específica. Ela decorre de um fenômeno crescente e perigoso: a normalização da atuação política do Poder Judiciário. Quando a proteção à democracia passa a ser entendida como justificativa para qualquer ação, mesmo aquelas que ultrapassam os limites constitucionais, abre-se caminho para um cenário preocupante. Diante da constatação de que não basta apenas não violar as leis para proteger a democracia, surgem duas vias: uma, de cunho liberal, é o pacto social de respeito às normas, ainda que tácitas; a outra, não-liberal, é a adoção perigosa da ideia de "democracia militante", especialmente no âmbito do Judiciário.
Essa recente decisão de suspensão despertou em mim, e em muitos brasileiros, uma inquietação profunda. Embora tenha havido uma manifestação, ainda que tímida, por parte do ministro Luiz Fux, a ausência de um posicionamento firme por parte do STF como um todo é alarmante.
Entendemos que o primeiro passo para um constrangimento deveria partir do próprio Supremo Tribunal Federal, uma vez que é o guardião da Constituição e das liberdades fundamentais. No entanto, diante do silêncio institucional e da falta de ação concreta por parte dos demais ministros, torna-se imperativo que o Senado Federal, como órgão constitucional responsável pelo equilíbrio entre os poderes, adote uma postura mais ativa nesse contexto. O risco que corremos ao permitir que a postura "militante" de um ministro seja corroborada por um STF silente é imenso. Tal comportamento, se não for devidamente contido, pode levar à erosão gradual dos princípios democráticos que tanto prezamos.
Excelentíssimos Senadores, apelo aos senhores para que utilizem seu poder e influência para intensificar as críticas e, se necessário, abrir um processo de impeachment contra o ministro Alexandre de Moraes. A situação atual exige uma resposta firme e imediata. A história nos ensina que, quando o Poder Judiciário se desvia de sua função de guardião da lei e se torna um ator político militante, os pilares da democracia começam a ruir. Não podemos permitir que a defesa da democracia seja usada como pretexto para ações que ultrapassam os limites constitucionais e colocam em risco as liberdades individuais.
A democracia não deve ser vista como uma guerra, mas como um esforço contínuo para evitar a guerra, promovendo a paz, a justiça e o bem comum. É responsabilidade do Senado garantir que o Judiciário não se desvie de sua missão constitucional e que o equilíbrio entre os poderes seja mantido. Estamos diante de uma encruzilhada histórica, e cabe aos senhores tomarem as medidas necessárias para proteger a nossa democracia de quaisquer tendências autoritárias.
Atenciosamente,
[Seu Nome]
Mobilização cívica: pressão como necessidade democrática
A ação de enviar essa carta — e de encorajar que outros cidadãos façam o mesmo — não visa necessariamente criar uma reação instantânea. Em vez disso, trata-se de um movimento de longo prazo, de manutenção da vigilância democrática e de participação ativa na construção do futuro da nação. O valor desse tipo de ação está na reverberação política que elas causam ao longo do tempo.
Enviar e-mails ou cartas a parlamentares pode parecer uma ação de impacto limitado, especialmente quando há a percepção de que esses atores institucionais não abrirão ou lerão as mensagens. No entanto, o ato de se manifestar é, por si só, um instrumento de construção da opinião pública. Mesmo que as respostas institucionais não sejam imediatas, a pressão exercida pela sociedade civil cria um clima de vigilância democrática, inspirando outras pessoas a se engajarem na vida pública e compartilharem suas opiniões. Esses atos têm o poder de gerar um efeito cascata, encorajando outros a participar, formando uma corrente de mobilização cívica.
A efetividade dessas ações não se reflete necessariamente em grandes reações institucionais, como a abertura de uma CPI ou um processo de impeachment. Em vez disso, está nos "choques" políticos que geram ao trazer determinados temas à tona. Pequenos gestos, como um e-mail enviado a um senador ou uma carta endereçada ao STF, têm a capacidade de pressionar instituições e, com o tempo, alterar o tom do debate público. Não se trata apenas de pressionar os atores institucionais diretamente, mas também de reforçar a presença dessas opiniões na "timeline" das decisões políticas. Ao ocupar o espaço público com argumentos racionais, e-mails e cartas enviadas aos parlamentares servem para lembrar os representantes de seu papel na salvaguarda da democracia.
Assim, a mobilização cívica precisa ser vista como um esforço contínuo, que, mesmo sem grandes resultados imediatos, exerce uma influência significativa no longo prazo, e nesse caso em questão, talvez garantindo que o Judiciário não se desvie de sua missão constitucional e que o equilíbrio entre os poderes seja preservado.
Grata Diogo Dutra!
Prazer em conhece-lo.
Me comprometo ao longo do dia de enviar cartas ao Senado Federal e ao STF.
Somos muitos, parabéns por redigir tão bem os nossos anceios e compartilhar soluções!
🤜🤛