Criando caminhos da "democracia que temos" para a "democracia que queremos"
Por Diogo Dutra, Inteligência Democrática (31/07/2024)
No primeiro artigo da série Ensaio sobre inovação política e social abordamos a necessidade de reinterpretação de conceitos clássicos da ambiência política como fundamento para possibilitar o nascimento do novo. Foi dito também que a importância intelectual desse trabalho não é condicionante para que as pessoas façam inovações políticas e sociais, mas que, como parte da engrenagem da inovação, essas reinterpretações permitem que os projetos cresçam e também possam se multiplicar a partir da ampliação do imaginário de que uma "democracia que queremos" é possível a partir da "democracia que temos".
Nesta segunda parte, intitulada "Reformando uma democracia em grande escala" abordaremos alguns exemplos de projetos que, a partir de um desdobramento para maior descentralização e maior igualdade política entre os cidadãos, conseguiram, de maneiras criativas e inovadoras, sair de obstáculos comuns nas temáticas que se propõem. A ideia é que os exemplos sirvam de certa inspiração para que mais movimentos e projetos surjam de maneira a criar "mais democracia" dentro da nossa atual democracia (em certa maneira falha ou capenga) em grande escala no Brasil.
Segunda parte | Reformando uma democracia em grande escala
Para caminharmos para a "democracia que queremos" precisamos iniciar pela "democracia que temos". E parte desse processo deverá ser feito por meio de (i) um aprofundamento dos mecanismos e limitações do modelo que temos hoje e (ii) propor múltiplas reformas que tenham os princípios democráticos como norte.
Além de não ser possível explorar em um artigo todas as possíveis reformas necessárias, entendo por ineficaz dado que muitas das soluções passam tanto por múltiplas especialidades técnicas quanto por múltiplas especificidades de cada aplicação local. O processo de democratização em si é (ou deveria ser) um caminho para emergência constante e coletiva de propostas e experiências de reforma.
Porém há algumas reflexões que talvez precisem ser feitas de antemão para que exista uma sintonia mínima em direção ao caminho que nos leve à "mais democracia". Parte dessa reflexão é sobre as limitações da democracia representativa e de suas instituições políticas, bem como dos graus já ensaiados de federalismo e das limitações impostas pela ideia de Estado-nação. Conhecer essas condições, sob o ponto de vista da democracia, permite que seja possível associar inovações políticas e sociais aos processos de reformas do estado.
Em tempos e lugares variados, sistemas políticos dotados de instituições políticas significativamente diferentes têm sido chamados de repúblicas ou democracias. Uma das razões se dá pelas diferentes necessidades e adaptações ao tamanho ou escala das unidades políticas - população, território, ou ambas. Arranjos políticos que atendam critérios democráticos em uma pequena cidade não são suficientes para atender a um grande país, por exemplo.
A partir do século 17, com a introdução dos sistemas de pesos e contrapesos, e as diferentes instâncias de repúblicas pelo mundo, se iniciou um segundo ciclo de invenção da democracia por meio de experiências democráticas em grande escala, ou seja, uma democracia que opere em unidades políticas grandes em extensão e população.
Em seu livro "Sobre a democracia" (1998), Robert Dahl faz uma leitura bastante ampla das democracias modernas (em seu formato representativo), seus arranjos constitucionais e institucionais, suas estabilidades e instabilidades. Sabe-se que em cada país diferentes configurações e dinâmicas institucionais foram colocadas em prática principalmente a partir do século 20. Mas Dahl se debruça sobre uma questão central: mesmo sabendo que para cada contexto determinadas regras e ideias funcionam melhor do que em outros, seria possível olhar para esses mecanismos e vislumbrar pontos essenciais para implementação de democracias em grande escala mais democráticas e mais estáveis?
Um destaque importante dado por Dahl é a complexidade de implementação de uma democracia representativa em grande escala, apontando para as invenções (necessárias) de instituições como parlamentos nacionais, governos locais eleitos e um sistema judicial independente. A importância de eleições livres, justiça, liberdade de expressão e diversidade de fontes de informação, são sublinhadas como elementos essenciais para o funcionamento saudável desse regime de governo, baseado nos fundamentos democráticos. Umas das grandes conclusões importantíssimas de Dahl é que, apesar das variações entre diferentes sistemas democráticos no mundo, alguns elementos básicos são indispensáveis para manter a estabilidade democrática, destacando a importância da igualdade política, de instituições robustas e da participação cidadã efetiva.
Entender e avaliar diferentes modelos constitucionais e instituições de governo em uma democracia de grande escala é parte necessária para o entendimento da "democracia que temos". A questão da eficácia de reformas e propostas de inovação política e social visando a democracia em grande escala precisa passar pela capacidade de avaliar seu impacto no fortalecimento ou enfraquecimento das instituições democráticas. É quase que uma capacidade fundamental para o futuro da governança democrática.
E mesmo sabendo que outros assuntos, como a crise de representatividade atual ou a crise contemporânea da ideia de Estado-Nação, precisam de um aprofundamento e um cuidado cuidado mais atual, para além de Dahl, tomo a liberdade de fechar as reflexões mais conceituais para que possamos tratar de exemplos de propostas recentes que surgiram nos últimos anos de reforma do Estado que apresentam uma direção de "mais democracia". Dado que este ensaio tem como objetivo estimular e inspirar pessoas à ação é preciso que consigamos falar de exemplos.
Nesse caso, os princípios norteadores que suportam essas escolhas dos exemplos são: (i) propostas que visem uma maior descentralização (de decisão e de investimentos) e/ou (ii) propostas que permitam a geração de mais igualdade política entre os cidadãos. Além disso, as escolhas em questão surgem a partir da ideia de que cada uma dessas propostas parece endereçar problemas sobre um prisma diferente do habitual, evitando ou contornando percalços comuns a esses temas no debate público. Ou seja, se enquadram de alguma maneira na ideia de inovação política.
A importância do Pacto Federativo
No ano de 2018, inspirado por um desejo de me tornar mais politicamente ativo, além de iniciar uma jornada de pesquisa e livre aprendizagem democrática, me dediquei a estudar planos de governo e consultar alguns dos intelectuais que os inspiraram. Minha intenção era descobrir, por meio de suas propostas, como eles estavam enxergando as prioridades do país e de que maneira conseguiam contornar as objeções mais relevantes de cada frente.
E foi assim que encontrei a discussão e uma reflexão gravada de Eduardo Giannetti sobre o Pacto Federativo no IEA-USP. Nessa época ele fazia parte da equipe econômica da candidata à presidência Marina Silva e seu vice Eduardo Jorge e participou desse painel no Instituto de Estudos Avançados da USP. Abaixo seguem algumas transcrições de falas de Giannetti feitas por mim mesmo a partir do vídeo disponível no Youtube:
"O Brasil nunca resolveu muito bem a questão da centralização versus descentralização no âmbito estatal. Se pegarmos a história do Brasil desde a Independência nós vamos ver que é um pêndulo batendo de um lado para o outro, em momentos de centralização em que o governo central se torna todo poderoso, e momentos que se caminha para um estado federativo em que você transfere atribuições para estados e municípios…
O que houve de grave em 88? 88 adota um estado federativo e faz a descentralização das funções do estado brasileiro. Então, as atribuições típicas do setor público são transferidas para os entes federativos: educação, saúde, segurança, saneamento, transporte. É uma decisão pela qual respondem os estados e municípios. É um princípio correto.
No entanto, 88 não descentralizou a autoridade para tributar, que continuou fortemente concentrada na União. Hoje 2/3 da arrecadação total brasileira, nossa carga tributária bruta, é da União. A Constituição obriga a União a compartilhar os impostos tradicionais, federais, mas a Constituição deixou aberta uma janela que se tornou a regra do jogo para que a União continue financiando seu gigantismo com impostos chamados contribuições, cuja diferença com relação aos impostos chamados tradicionais é que elas não são compartilhadas com os entes federativos…
O que os números mostram é que a partir de 88 os três níveis de governo no Brasil começam a crescer simultaneamente. Em vez de nós sairmos dos trilhos de um Estado unitário para os trilhos de um Estado federativo, nós ficamos no que eu chamo de “federalismo truncado”. Em que os recursos vão até a união e uma parte dele é devolvida, nos mais diferentes caminhos, alguns muito tortuosos, para que estados e municípios atendam as atribuições que lhes foram conferidas a partir da Constituição de 88."
Portanto, Giannetti faz um diagnóstico de como o nosso sistema foi pensado para ser federalista, na prática, por conta dos sistemas de tributação e falta de liberdade de orçamentação nos municípios, não opera dessa maneira. E pior, o fato do nosso sistema, nem ser centralizador ao extremo e nem federalista de verdade, acaba custando duas vezes.
A necessidade de um novo pacto federativo passa, não por uma revisão constitucional, mas por ajustar os mecanismos que estão impedindo o federalismo concreto de acontecer. Assim, duas grande questões trazidas por Giannetti nessa discussão que não são percebidas em uma primeira vista é que a (i) descentralização da arrecadação e a atribuição de maior autonomia fiscal aos estados e municípios podem resolver muitos dos problemas de eficiência e transparência na gestão pública, dado que é muito mais fácil você ter algum tipo de controle da sociedade sobre seus problemas locais (e aqui falamos de potenciais inovações digitais para fiscalização do uso e dos serviços públicos locais); e (ii) a descentralização desestabiliza o poder central em Brasília que eventualmente sustenta uma rede de corrupção e troca de favores privados.
Ou seja, se debruçar sobre reformas do Estado que fomentem o pacto federativo (como ele deveria ser) promove resultados (até de maneira surpreendente) na inibição da corrupção, bem como uma descentralização da ação pública que aproxima o sistema do cidadão. Gerando assim, um esvaziamento do governo central e uma relação de cidadania política-tributária bem concreta na escala da cidade.
Outra referência importante é o documento "Pacto Federativo" elaborado pelo Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS). O documento enfatiza também a importância de descentralizar recursos e competências, propondo um maior percentual da carga tributária brasileira para os municípios. Trazendo propostas concretas como a municipalização de Impostos - transferência de maior parte da arrecadação de impostos para os municípios - como também a revisão dos critérios de distribuição do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) para garantir que os municípios com menores índices de desenvolvimento socioeconômico recebam uma parcela maior dos recursos.
Além disso, eles também abordam o fortalecimento da governança local e a transparência por meio de propostas como por exemplo:
(i) Conselhos de Poderes Executivos: Criação de conselhos regionais que reúnam representantes dos poderes executivos federal, estadual e municipal para discutir e pactuar questões federativas. Isso visa a melhorar a coordenação e a implementação de políticas públicas de maneira integrada.
(ii) Substituição de Emendas Parlamentares: Proposta para substituir as emendas parlamentares por um sistema de editais de livre concorrência, garantindo que a alocação de recursos seja feita de maneira transparente e baseada em critérios objetivos. Isso também visa a reduzir o uso político de emendas e promover uma gestão pública mais eficiente.
Assim, tanto na excelente intervenção de Giannetti no IEA-USP, como nas propostas do Instituto Democracia e Sustentabilidade, vemos uma proposição reformista por meio de aprimoramentos ao federalismo brasileiro à luz do papel dos municípios como agentes fundamentais para a implementação de políticas e serviços públicos. E, como consequência, tendo efeitos diretos na eficiência de gastos públicos e indiretos em relação aos desvios por corrupção. Portanto, parece ser um excelente exemplo de inovação política e social com foco na reforma da "democracia em grande escala" para uma direção "mais democrática" realizada por agentes de fora da política institucional.
A Reforma Tributária e a Proposta de IVA
Nesse mesmo painel do IEA-USP em 2018 (citado anteriormente), porém em uma segunda parte do evento, e ainda associado à ideia de descentralização, Bernard Appy apresentou sua proposta de IVA (Imposto sobre Valor Adicionado) desenvolvida junto ao Centro de Cidadania Fiscal. Essa proposta, que já vinha sendo elaborada e modificada há muitos anos, teve recente destaque na opinião pública nacional por ser a base principal da atual reforma tributária encabeçada pelo deputado Baleia Rossi que atualmente se encontra em votação nas casas legislativas.
O projeto de Emenda à Constituição (PEC 45/2019) apresentou mudanças bastante significativas em relação ao desenho original de Appy e do CCiF diminuindo bastante de seu potencial inovador, mas mantém alguma essência dentro do possível. Nesta seção não analisaremos o projeto de PEC, mas sim o projeto original com todo seu conteúdo propositivo de inovação política e social.
Tanto no vídeo citado anteriormente, como em um documento intitulado "Reforma do Modelo Brasileiro de Tributação de Bens e Serviços" do Centro de Cidadania Fiscal, Appy destaca a urgência de reformar o sistema brasileiro de tributação de bens e serviços, que atualmente é caracterizado por uma estrutura complexa e ineficiente. A proposta central é substituir cinco tributos existentes (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) por um único Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), inspirado no modelo do Imposto sobre Valor Adicionado (IVA). Esse novo imposto visa eliminar a cumulatividade, simplificar a legislação tributária e melhorar a competitividade do país, garantindo maior transparência e neutralidade fiscal.
O diferencial da proposta do Appy está no seu cuidado em relação ao processo de transição planejada para ocorrer ao longo de dez anos, mantendo a carga tributária constante. Ele relata que uma das dificuldades encontradas no passado era que qualquer proposta de unificação esbarrava na percepção de que cada estado e município perderia arrecadação (referente à condições especiais herdadas da guerra fiscal), causando impactos negativos nos mandatos dos representantes que deveriam aprovar tal matéria. E isso inviabilizou absolutamente todas as tentativas anteriores de reforma.
Um dos desafios técnicos que Appy e sua equipe precisou enfrentar para dar solidez e segurança à proposta foi, então, a necessidade de ajustar gradualmente as alíquotas dos impostos atuais para evitar impactos abruptos nas receitas estaduais e municipais. Além disso, ele menciona a complexidade de eliminar benefícios fiscais existentes, o que requer um prazo de adaptação para que empresas e governos locais possam se ajustar às novas regras.
Além disso, a grande vantagem da implementação de um IVA unificado é a correção de distorções do atual sistema tributário, que é fragmentado e favorece a concorrência entre estados e a evasão fiscal, fora as distorções desproporcionais para alguns bens em relação a outros.
A proposta de Appy é bem interessante pois também teria impactos no processo de federalização citado anteriormente, dado que aborda a necessidade de descentralização fiscal, concedendo maior autonomia a estados e municípios na gestão de seus recursos. Appy e o CCiF bolaram um processo contendo um sistema de conta centralizada, gerido por um comitê, e razoavelmente automatizado, que durante o processo de transição acabaria suavizando os problemas de controle tributário e orçamentário em Brasília.
Portanto, essa reforma tributária, alinhada com a reforma do pacto federativo, poderia criar um sistema mais eficiente, seguro e justo em termos de localidade. É uma proposta que basicamente foca na reforma nos impostos sobre bens e consumos e deixa para o futuro algum outro trabalho sobre as reformas tributárias sobre renda. Assim, não se trata de uma reforma que, por si só, trabalha para redução direta da desigualdade (a là Piketty), mas tem excelentes pontos de ajustes em relação ao sistema atual de bens e consumos que está bastante desbalanceado. A principal vantagem do modelo é a grande simplificação e racionalização do sistema tributário, que deve reduzir o custo de compliance e litígios fiscais, além de aumentar a segurança jurídica para as empresas.
Tanto por sua complexidade no sentido operacional, quanto no sentido político, a proposta de Appy do CCiF é bastante inovadora e aponta para uma reforma com maior conteúdo de democracia. Não se trata só de consequências positivas em relação ao ambiente de mercado, mas de descentralização e até um potencial global de aumento de arrecadação tanto por conta da facilidade de declaração de impostos, como da diminuição da guerra fiscal entre estados e municípios.
A Proposta Multipilar de Previdência
Por fim, para fechar o conjunto de exemplos de propostas inovadoras para reformas da democracia em grande escala, em 2019, assisti ao programa Roda Viva sobre Reforma da Previdência e tive o primeiro contato com a reforma multipilar proposta pela Fipe (USP) e apresentada pelo economista Hélio Zylberstajn.
A previdência social no Brasil é uma questão central no debate sobre a sustentabilidade das políticas públicas de bem-estar. O sistema atual é insustentável devido ao envelhecimento da população e ao alto gasto previdenciário. Com apenas cerca de 7% da população composta por idosos, o Brasil já gasta uma proporção significativa do PIB em Previdência, similar a países desenvolvidos e envelhecidos. Esse cenário, se não corrigido, levará a uma crise fiscal severa, colocando uma carga desproporcional sobre as futuras gerações.
A proposta multipilar de Hélio Zylberstajn, pesquisador da Fipe (USP), oferece uma visão inovadora e estruturada para enfrentar os desafios do sistema previdenciário atual. Segundo Zylberstajn, o modelo unipilar de repartição é vulnerável e precisa ser transformado em um sistema multipilar mais robusto e sustentável.
No programa Zylberstajn chega a comentar um pouco mais a problemática:
"O sistema atual é unipilar (repartição). O sistema baseado em um pilar só é vulnerável, se treme cai o sistema.
A proposta que está aí, que é urgente, é uma reforma paramétrica (que altera os parâmetros), mudando idade mínima, alíquota, regras de pensão etc [principalmente diminuindo as regras de acumulação de benefícios]. Isso para fazer uma meia sola. Arrumar o que ficou para trás e nesses trabalhadores que hoje trabalham e vão se aposentar. Agora é preciso pensar também no depois.
A reforma para trás é essa. Agora é preciso pensar também em uma para frente. [ou seja, feito essa, é preciso estruturar um outro modelo que se sustenta e se mantém em seu propósito no longo prazo].
Porém, existe um ponto muito importante, dado que as relações de vínculo de trabalho estão mudando no mundo inteiro e todas as políticas de bem estar social têm uma relação muito estreita com o vínculo de emprego. Existe uma reforma atual, mas no futuro as relações de trabalho manterão vínculos cada vez mais efêmeros. Como lidar com isso? Como lidar com a proteção que é a função primária de uma previdência com a principal ação de bem estar social de um Estado?"
A direção proposta pela Fipe é bem engenhosa e propõe uma reforma mais abrangente e estrutural, baseada em um sistema multipilar que combina repartição e capitalização. O novo sistema incluiria uma Renda Básica do Idoso, um Benefício Contributivo por Repartição com teto reduzido, um Benefício Contributivo por Capitalização e planos de aposentadoria voluntários. Essa estrutura visa garantir a sustentabilidade do sistema, promover a equidade entre diferentes classes de trabalhadores e reduzir a carga sobre a folha de pagamento, incentivando a formalização do trabalho. A proposta consiste em quatro pilares:
Pilar Não Contributivo: Este pilar visa proporcionar uma renda básica para idosos, garantindo uma proteção mínima independente das contribuições previdenciárias. A ideia é desvincular o benefício das contribuições sobre a folha de salário, adaptando-se às mudanças nas relações de trabalho que se tornam cada vez mais efêmeras.
Pilar de Repartição Modificado: Baseado no INSS, este pilar propõe um sistema com benefícios achatados, estabelecendo um teto máximo de aproximadamente R$1.500. A soma deste pilar com a renda básica proporcionaria uma renda média de R$2.200, atendendo a base da pirâmide de trabalhadores brasileiros.
Pilar de Capitalização: A proposta sugere transformar o Fundo de Garantia (FGTS) em um fundo de aposentadoria vinculado ao CPF, permitindo aos trabalhadores aplicar seus recursos em planos de aposentadoria, formando um mercado de poupança de longo prazo.
Planos Voluntários: Complementando os três primeiros pilares, este pilar inclui planos voluntários de aposentadoria, que podem ser aderidos pelas empresas e trabalhadores, promovendo uma mentalidade de poupança para toda a população.
A soma dos quatro pilares forma uma aposentadoria que garante o bem-estar social e uma renda suficiente para quem consegue e não consegue poupar, deixando um espaço de liberdade para a própria pessoa escolher (se ela tiver essa condição). Além disso, com a diminuição dos vínculos de trabalho, a relação de obrigatoriedade de poupança pela relação trabalhista se dilui, tornando o primeiro pilar, a renda básica, algo essencial como ação de bem estar social e o último pilar como uma mentalidade de poupança necessária para toda população.
A proposta da Fipe enfatiza que a reforma da Previdência é crucial não apenas para a estabilidade fiscal, mas também para adaptar o sistema às transformações demográficas e econômicas. O novo modelo busca equilibrar solidariedade intergeracional com incentivos à poupança privada, propondo uma solução de longo prazo que seja sustentável e mais justa para todos os brasileiros. É muito interessante como uma proposta como essa aumenta o grau de complexidade e endereça a problemática de maneira criativa, separando as funções e corrigindo distorções de maneira inequívoca.
Assim, com esse terceiro exemplo, a partir de pesquisas não-exaustivas e com alto grau de subjetividade, fechamos o ciclo que inspiraria a ideia de reformas de uma democracia em larga escala. Há muitos outros assuntos que mereceriam destaque e aprofundamento, porém nos que foram citados vemos já o germe de ideias criativas que contém elementos que visam a reforma a partir da direção "mais democracia". Além disso, todos os exemplos têm instituições da sociedade civil e não partidos como propositores de inovações políticas e sociais, mostrando que é possível fazer política fora da instituição partido político.
Terceira parte: Inventar
A terceira parte, intitulada "Inventando uma democracia para uma sociedade-em-rede", seguirá o tema Inovação política e social sob a perspectiva de ideias e projetos que têm propostos novas formas de interagir política e socialmente inspirados, não só pela digitalização e novas formas de interação online, mas em lógicas que questionem os sistemas atuais baseados em escassez (impedindo ou inibindo participação e inclusão das pessoas na política e ação pública). Há muito espaço para que a inventividade humana trabalhe para gerar inovações políticas e sociais. É a partir daí que a gente conseguirá sair da "democracia que temos" para alcançarmos a "democracia que queremos".