Os comentaristas internacionais esqueceram a democracia
Sobre a guerra do Irã contra Israel
É impressionamente como os comentaristas internacionais analisam a situação do conflito Hamas x Israel sem levar em conta qualquer referencial democrático.
Em primeiro lugar, nem é mencionada a teocracia do Irã (que move uma guerra de destruição de Israel por meio de uma dezena de organizações terroristas, coordenadas pelo Corpo da Guarda da Revolução Islâmica, na qual o Hamas é apenas uma) - é como se a ameça iraniana não existisse. Os comentaristas internacionais esqueceram a democracia, mas há uma guerra da ditadura do Irã contra a democracia de Israel.
Em segundo lugar, defendem um Estado palestino (o que é correto), mas não estão nem aí se será um Estado democrático de direito ou mais uma das 14 ditaduras do Oriente Médio que cercam Israel (por enquanto a única democracia da região) e também não dizem o que seria necessário para erigir esse Estado (1).
Em terceiro lugar, rejeitam in limine qualquer plano de paz que não for negociado com os palestinos, mas não dizem quem são os representantes palestinos com os quais negociar: fica-se na dúvida se seriam da organização terrorista Hamas, cuja ditadura estabelecida em Gaza mantém como reféns mais de dois milhões de palestinos ou se seriam do desacreditado Fatah e do seu regime autocrático da Cisjordânia, sob o governo corrupto de Mahmoud Abbas (aquele que estudou na Universidade Russa da Amizade dos Povos em Moscou e está no poder há 20 anos).
Condenar o governo nacional-populista de Netanyahu (e os supremacistas que ele abriga) pelos crimes de guerra que está cometendo em Gaza e pelos assentamentos judaicos ilegais na Cisjordânia, não é uma licença para ignorar que Israel, apesar disso tudo, continua sendo a única democracia do Oriente Médio: há uma sociedade democrática israelense que também rejeita o governo Netanyahu e que deve ser apoiada.
Eu também reconheço a necessidade um Estado palestino (que jamais existiu na história, mas precisa existir porque os palestinos existem) (2). Mas reconhecer o Estado palestino é uma atitude política, no plano simbólico, para rechaçar a política insana de Netanyahu em Gaza e na Cisjordânia. Gostaria que fosse um Estado democrático de direito e não mais uma das 14 ditaduras do Oriente Médio que cercam a única democracia da região (Israel, por enquanto) - mas isso é um sonho.
Não há condições de erigir esse novo Estado no curto prazo, a não ser se houver uma força internacional de ocupação (da qual não poderiam participar os países do eixo autocrático, por razões óbvias) que impeça os grupos terroristas, como Hamas, Jihad Islâmica, Hezbollah e muitos outros braços armados do Irã (coordenados pela IRGC), de tomar o comando desse Estado (para aniquilar Israel ou assassinar judeus). Teria de ser, portanto, uma força fortemente armada, com seviço de inteligência e tribunal militar inclusive, composta por tropas sob comando de países democráticos.
Também não há condições de termos um Estado palestino literalmente ao lado do Estado de Israel (pois não há contiguidade territorial entre Cisjordânia e Gaza: Ramallah fica a 70km da cidade de Gaza em linha reta). Ele estará inevitavelmente entranhado em Israel e então a força militar internacional de ocupação terá de ser dividida em duas frentes ou territórios: uma no velho enclave egípcio chamado Gaza e outra no que chamavam por lá de Judeia e Samaria (compreendendo uma parte de Jerusalém). Essa força internacional de ocupação teria, simultaneamente, de proteger os israelenses dos jihadistas palestinos infiltrados na população (indistinguivelmente, pois são civis) e proteger os palestinos dos supremacistas judaicos (em parte homiziados no governo atual de Israel e nos assentamentos).
Já mostrei, em artigo de 25 de junho de 2025, as principais dificuldades para a ereção de um Estado palestino. Só é fácil defender a ereção do Estado palestino nos palanques internacionais. Ou então para os que, no fundo, querem uma palestina livre, do rio ao mar (ou seja, a extinção de Israel).
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Notas
(1) Sobre isso é bom ler os Editoriais do Estadão (de 26/09/2025) e de O Globo (de 23/09/2025) que seguem transcritos abaixo.
A ilusão do Estado palestino
Editorial, O Estado de S. Paulo (26/09/2025)
Reconhecer um Estado sem construir as condições para sua existência apenas multiplica frustrações, fortalece os radicais, fragiliza os moderados e torna a paz ainda mais distante
O reconhecimento de um Estado palestino por países ocidentais tornou-se um gesto recorrente em meio ao impasse prolongado do conflito israelo-palestino. Espanha, Irlanda, Noruega, Portugal, Canadá, Austrália, Reino Unido e França juntam-se a mais de uma centena de nações que adotam tal posição. Em teoria, é um ato de justiça histórica e pressão diplomática sobre Israel. Na prática, é um exercício de exibicionismo moral, na melhor das hipóteses inócuo; na pior – e mais provável –, é contraproducente.
A posição deste jornal é inequívoca: a criação de um Estado palestino é questão de justiça e condição indispensável para uma paz duradoura. Mas um Estado não nasce de resoluções parlamentares nem de pronunciamentos presidenciais. Ele requer instituições legítimas, reconhecimento mútuo e fronteiras negociadas. Nenhum desses requisitos está presente hoje. O reconhecimento prematuro, sem condições e garantias, não aproxima tais requisitos – ao contrário, tende a afastá-los.
A História mostra que Israel nem sempre foi intransigente. Em 1947, aceitou a partilha aprovada pela ONU, rejeitada pela liderança árabe. Em 1967, ouviu da Liga Árabe os “três nãos” – não à paz, não ao reconhecimento de Israel e não às negociações –, política que oficialmente vigora até hoje. Nos anos 1990, assinou acordos de paz, enquanto os terroristas do Hamas ganhavam força e, depois, tomaram o poder. Em 2000, propostas de grande alcance sobre fronteiras e Jerusalém foram rejeitadas por Yasser Arafat, e Camp David fracassou. Em 2008, Mahmoud Abbas não aceitou a oferta de Ehud Olmert, que abrangia quase toda a Cisjordânia.
Nada disso absolve Israel de seus erros e delitos. A expansão incessante de assentamentos, a conduta militar desproporcional em Gaza, a erosão da legitimidade democrática sob Binyamin Netanyahu e a ausência de um plano político crível minam a posição do país e alimentam seu isolamento. Mas culpar exclusivamente Israel é tão simplista quanto injusto. O fracasso palestino em construir uma autoridade legítima e eficaz, a corrupção da Autoridade Palestina e a dominação armada do Hamas em Gaza são obstáculos objetivos à formação de um Estado viável.
Um reconhecimento que ignore esses fatores não ajuda moderados palestinos nem pressiona Israel a negociar. Pelo contrário: reforça a ilusão de que a soberania pode ser concedida de fora, sem reformas internas e sem a obliteração da máquina de guerra do Hamas. Também oferece munição à paranoia dos radicais israelenses que insistem que o mundo está disposto a recompensar o extremismo islamista.
Em vez de proclamações vazias, as democracias ocidentais deveriam vincular qualquer avanço diplomático ao cumprimento de condições concretas: desarmamento de milícias em Gaza, reconstrução institucional da Autoridade Palestina com mecanismos de transparência e legitimidade eleitoral, e compromissos claros dos países árabes de reconhecer Israel e cooperar em segurança. O apoio financeiro e político deveria ser condicionado a esses marcos, de forma verificável.
Em paralelo, é vital que Israel formule um plano político pós-guerra que articule sua disposição a aceitar um Estado palestino quando tais condições forem atendidas. Somente a combinação de pressões externas racionais e transformações internas – dos dois lados – pode pavimentar o caminho para a paz.
Reconhecer o Estado palestino hoje pode apaziguar consciências em capitais europeias, mas não alimenta ninguém em Gaza, não regenera a Autoridade Palestina e não neutraliza o Hamas. Pelo contrário, cristaliza um simulacro de soberania que perpetua a ilusão e adia a solução. Estados não nascem de votos no Parlamento, mas de realidades no terreno.
A existência de um Estado palestino é uma questão de justiça para os palestinos e condição para a segurança de Israel, a manutenção de sua democracia e a paz no Oriente Médio. Mas a ordem dos fatores altera o produto. O reconhecimento desse Estado deveria ser o último tijolo de uma construção política. Lançar mão dele agora é trocar realismo diplomático por teatralidade moral. E cada gesto desse tipo torna o Estado palestino mais distante, não mais próximo.
Reconhecimento da Palestina é gesto relevante, mas inócuo
Editorial, O Globo (23/09/2025)
Movimento mundial resulta de isolamento diplomático de Israel, porém não deverá ter efeito prático
Reino Unido, França, Canadá, Austrália, Bélgica e Portugal reconheceram nos últimos dias o Estado da Palestina — posição adotada pelo Brasil desde 2010. Com isso, passa de 150 o total de países que formalizaram o reconhecimento. No último dia 12, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou por ampla maioria de 142 votos a favor e apenas 10 contrários (com 12 abstenções) uma resolução conclamando a comunidade internacional a dar “passos tangíveis” e “irreversíveis” para a implementação da solução de dois Estados, Israel e Palestina, convivendo lado a lado em paz, na região hoje palco de guerra brutal.
O movimento em prol do reconhecimento da Palestina é reflexo do isolamento diplomático inédito de Israel, de consequências ainda imprevisíveis. Resulta da campanha militar sangrenta promovida pelo governo Benjamin Netanyahu na Faixa de Gaza contra o grupo terrorista Hamas depois dos ataques bárbaros de 7 de outubro de 2023. Trata-se de gesto simbólico relevante, cuja intenção imediata é pressionar Netanyahu a recuar nos planos de ocupar Gaza e a aceitar um cessar-fogo no conflito que já matou dezenas de milhares de civis palestinos. Na prática, porém, tem tudo para ser inócuo.
É verdade que a solução de dois Estados é a única esperança de paz na região. Ela foi esboçada nos Acordos de Oslo, de 1993, que deram origem à Autoridade Palestina como embrião de um futuro Estado em Gaza e na Cisjordânia. A ideia foi perdendo ímpeto com o tempo. Todas as tentativas para colocá-la em prática fracassaram. Sucessivos governos israelenses mantiveram a política de erguer colônias na Cisjordânia. As negociações foram abandonadas por lideranças palestinas duas vezes, em 1999 e 2008, abrindo espaço para que, dos dois lados, subissem ao poder grupos contrários ao reconhecimento mútuo e a qualquer acordo.
O governo de Gaza foi tomado pelos terroristas do Hamas, cujo objetivo — expresso em atos e palavras — é destruir Israel. Em Israel, Netanyahu já declarou repetidas vezes oposição ao Estado palestino, e extremistas de sua coalizão querem anexar Gaza e Cisjordânia. As dificuldades não param aí. De ambos os lados, onde antes havia maiorias favoráveis aos dois Estados, hoje a oposição é alcança nível suficiente para tornar a solução inviável.
A articulação pelo reconhecimento da Palestina, capitaneada por França e Arábia Saudita, enfatiza que o Hamas não deverá ter nenhum espaço no futuro Estado palestino. Nada mais sensato. Mas não há uma proposta eficaz para se livrar do grupo terrorista. Mesmo vozes israelenses moderadas encaram o movimento como favorável ao Hamas, pois os terroristas terão obtido uma concessão que grandes democracias ocidentais reservavam para o momento de um acordo de paz com condição de ser implementado na prática. O risco evidente é o governo Netanyahu decidir, em resposta, anexar Gaza e 82% da Cisjordânia, como defendem seus ministros intransigentes, para “enterrar a ideia” do Estado palestino.
O sofrimento da população palestina, sobretudo em Gaza, infelizmente não diminuirá com o reconhecimento. A complexidade do conflito continua a desafiar soluções simplistas ou performáticas. É fato que nunca o Estado palestino foi tão necessário e nunca reuniu consenso internacional tão abrangente. Mas, paradoxalmente, nunca esteve tão distante da realidade.
(2) Os democratas defendemos a existência de um Estado palestino, embora as condições para a ereção desse Estado não existam na atualidade, nem existiram na história. Os palestinos, porém, existem e seu direito de permanecer no território deve ser reconhecido. Mas Estado palestino será uma inovação, pois nunca houve nada parecido. Antes de Israel tivemos, salvo engano, o Mandato Britânico, o Imperio Otomano, o Estado Islâmico dos Mamelucos do Egito, o Império Aiúbida-Curdo, o Reino Franco Cruzado e o Reino Cristão de Jerusalém, os impérios Omíada e Fatímida, o Império Bizantino, o Império Sassânida-Persa, o Império Bizantino mais antigo, o Império Romano, o Estado Judeu Hasmoneu, o Império Selêucida Helenístico, o império de Alexandre, o Grande, o Império Persa, o Império Babilônico, os reinos de Israel e Judá, o Reino de Israel, a teocracia (mítica) das doze tribos de Israel, as cidades-reinos cananéias independentes.