Patriarcalismo
Esta nota é um adendo ao artigo Patrimonialismo é patriarcalismo, publicado em Inteligência Democrática no dia 11/03/2025.
O que chamo de patriarcalismo não tem a ver diretamente com a oposição ao feminismo atual (não é propriamente um masculinismo). Por certo é uma cultura que reproduzia um comportamento derivado de um machismo-raiz, pois o patriarca era macho e dominava as mulheres. Mas tem a ver com o início de um padrão civilizatório baseado na dominação (não só dos homens sobre as mulheres), no abuso, na hierarquia como um padrão de organização natural e na guerra (quer dizer, no modo autocrático de regulação de conflitos).
A cultura patriarcal - baseada em matrizes míticas, sacerdotais, hierárquicas e autocráticas - continua se reproduzindo após 5 a 6 milênios de ter surgido. A democracia, quando foi inventada pela primeira vez, na passagem do século 6 para o século 5 a.C., foi uma brecha aberta no muro da cultura patriarcal que se reproduzia coetaneamente em Esparta, Creta e Siracusa - e, na verdade, em todos os lugares que passaram pela idade das trevas que começou com a invasão dória e o final da civilização micênica, do final de 1150 a 800 a.C. Os dórios já eram um povo imerso em uma cultura patriarcal, dita indo-europeia, de caráter guerreiro. Por isso pode-se afirmar que havia um tribalismo patriarcalista Dório.
Mas, levando em conta toda a trajetória do Homo Sapiens, o patriarcado - como padrão civilizatório - é uma criação recente. A maior parte da caminhada dos seres humanos sobre a Terra nos últimos 150 mil anos - nos grupos de caçadores e coletores, nas tribos paleolíticas e nas aldeias agrícolas neolíticas, por exemplo - não se deu em sociedades ou agrupamentos patriarcais. O patriarcado nasce com o surgimento de um estamento sacerdotal que erigiu um Estado-Templo, do tipo do sumeriano (ou, quem sabe, possivelmente, com a invasão de hordas orientais de pastores, agricultores e caçadores que se transformaram em guerreiros e erigiram proto-Estados bélicos), como tronco gerador de programas verticalizadores da rede social.
Mas isso foi assim mesmo? Bem... essa é uma leitura que, como toda leitura do passado, cria história. Em outras palavras, é uma escolha de uma linha temporal possível no passado.
PADRÕES AUTOCRÁTICOS SÃO GERADOS EM IDADES DAS TREVAS
Alguns exemplos:
Idade das trevas na Suméria: 4.000-2.000 a.C. (da formação do estamento sacerdotal com a ereção do Estado-Templo à queda das cidades-Estado como Ur e Uruk).
Idade das trevas na Europa Antiga: 4.000-1.000 a.C. (do surgimento dos kurgans ou da cultura Yamna e da sociedade proto-indo-europeia à Idade das trevas na Grécia).
Idade das trevas na Grécia: 1150-800 a.C. (do final da civilização micênica e a invasão dória ao florescimento das cidades-Estado gregas).
Idade das trevas na Europa: 476-768 (da queda de Roma à ascensão de Carlos Magno).
Tivemos uma década das trevas no século 20: 1934-1944 (da ascensão de Hitler ao final da segunda guerra mundial) dentro da primeira onda de autocratização caracterizada pela ascensão dos totalitarismos (1922-1944).
Mas não tivemos uma idade das trevas como as duas mais recentes anteriores (que duraram, cada uma, cerca de 300 anos). Talvez ela venha agora, dentro da terceira onda de autocratização caracterizada pela ascensão dos populismos do século 21, o surgimento do eixo autocrático e a segunda grande guerra fria (o novo tipo de guerra mundial, na forma de netwar).
Esta nota foi redigida por Augusto de Franco, do staff de Inteligência Democrática.