Parte dos intelectuais acadêmicos de esquerda - a parte mais honesta (e.g. Marcos Nobre, na foto) - já percebeu o seguinte:
1) Estamos em transição para uma ordem pós-neoliberal.
2) A esquerda foi derrotada: a ordem pós-neoliberal será moldada por uma aliança entre a direita tradicional e a extrema-direita.
3) Nestas circunstâncias, a esquerda deve: a) defender as instituições tal como elas existem (o que é insuficiente e coloca a esquerda, paradoxalmente, como defensora do passado); b) desaprisionar a imaginação propondo outro futuro (já que agora quem propõe outro futuro, antissistema, é a extrema-direita).
4) Ao contrário da extrema-direita, a esquerda é analógica, não tem um partido digital. E nem vai fazer um (novo) partido digital porque isso implica perder o controle (e alterar a correlação de forças interna já consolidada em suas organizações tradicionais).
Essa avaliação não está de todo incorreta. Todavia, alguns pontos devem ser destacados:
A - Na verdade o que está ameaçada é a ordem liberal dos últimos 80 anos (que a esquerda chama, equivocadamente, de neoliberal). Se estamos em transição para uma nova ordem pós-liberal não sabemos ainda se essa ordem será liberal em outros moldes ou contra-liberal. Isso está em disputa.
B - A avaliação de que a esquerda foi derrotada (e, ao que parece, foi mesmo) parte da noção de que é necessário uma corrente política ter hegemonia para não ser derrotada. Essa hegemonia a esquerda não terá mesmo, mas uma força política não precisa conquistar hegemonia para ser um player importante da democracia. Aqui se revela a visão hegemonista (e antidemocrática, porquanto antipluralista) da esquerda.
C - A avaliação está correta ao dizer que a esquerda ficou constrangida a defender as instituições do passado (ou seja, o velho sistema político em crise, tal como está organizado e funciona) o que lhe retira o caráter revolucionário, que passa a ser desempenhado pelo que a esquerda chama de direita em aliança com a extrema-direita (antissistema). A esquerda virou, nesse sentido, conservadora. O establishment democrático das democracias realmente existentes é conservador e não consegue dar uma resposta eficaz às investidas antissistema da direita revolucionária (no sentido destrutivo do termo, implicado na própria noção de revolução).
D - A avaliação também está correta ao dizer que seria necessário que a esquerda anunciasse um novo futuro para recuperar o seu caráter revolucionário (ou, em termos atuais, "progressista"). Está, todavia, errada ao pressupor que isso implica necessariamente ter um novo programa dito democrático, mas que, a rigor, não é democrático: a nova democracia não-capitalista desejada pela esquerda reduz o conceito de democracia ao conceito de cidadania ofertada pelo Estado (com a redução das desigualdades socioeconômicas como pré-condição para a liberdade, ou seja, para a igualdade política). Isso significa que a política deixa de ter como sentido a liberdade e passa a ter como sentido a ordem (uma ordem mais justa ou menos desigualitária). Tal deriva pode dar em qualquer coisa, menos em mais-democracia.
E - A esquerda acadêmica ou parte dela também já concluiu que não vivemos mais numa democracia de partidos ou numa democracia do público (de massas) e sim numa democracia de "bolhas" (sobretudo ensejadas pelo mundo digital) e que nesse novo mundo a esquerda está defasada porque continua analógica e não vai conseguir se atualizar porque não está disposta a desconstituir suas organizações tradicionais (que são hierárquicas). Está correto, mas o problema aqui não é a incapacidade de usar as tecnologias digitais (como as mídias sociais, onde a direita predomina) e sim a impossibilidade da esquerda, por falta de conversão à democracia, de constituir comunidades políticas democráticas, tornando-se agente da democratização da sociedade e do Estado.
Do ponto de vista da democracia como modo de administração do Estado e, mais do isso, como modo-de-vida, não há como ninguém exercer o papel de agente democrático sem comunidade política. Sem ambientes de continuada conversação democrática, a democracia fenece. Sem ambientes favoráveis à realização de projetos comuns democráticos, a partir da congruência de desejos dos interagentes, a democracia falece. Isso a esquerda não entendeu. E não entendeu porque não se converteu à democracia.
Acho que o Marcos Nobre está mais perdido do que sego em tiroteio. O maior intelectual do Brasil, na contemporaneidade, é Antônio Risério, um esquerdista de primeira linha, mas a esquerda está perdida e nunca considerará ouvir Risério.
A Esquerda se tornou oportunista. Quando teve chance de praticar as suas ideias e teorias preferiu se unir para saquear o Estado e iludir os pobres coitados que ainda acreditam nesse modo de governo . Sustentar uma democracia depende do esforço de muitos. Tudo muito diferente desse assistencialismo barato que a Esquerda praticou no Ocidente. Países que sempre tiveram instituições sólidas se viram na obrigação de mudar a regra do jogo. A Esquerda como ela é precisa ser esvaziada para que surjam formas de combater a desigualdade social, com políticas sérias e governos alicerçados na Lei e não nos conchavos praticados pelos governos que banalizam o estado democrático de direito com base no seu próprio interesse. Líderes que esbanjam o dinheiro público e sustentam que podem fazer uma distribuição de renda igualitária estão desacreditados há muito tempo. É urgente a troca de ideias para a construção de um Estado pós liberal, para salvar a democracia.