Lula e o PT são democráticos?
Os contraexemplos do impeachment de Dilma e da prisão de Lula são falsos
O Brasil não é uma autocracia. Segundo o V-Dem é uma democracia eleitoral (quer dizer, não é uma democracia liberal). Segundo a The Economist Intelligence Unit é uma democracia defeituosa (quer dizer, não é uma democracia plena). Mas isso é regime político - que é diferente de governo e de partido.
Lula e a direção do PT não são democráticos, mesmo que o Brasil não seja uma ditadura. Governo-partido não é o mesmo que regime político.
Não adianta buscar eventos no passado para negar isso. Os contraexemplos frequentemente apresentados são os de Dilma, que acatou o seu impedimento constitucional por decisão do Senado, e de Lula, que não resistiu à prisão decretada pela Justiça.
São argumentos falsos de vez que ambos não podiam não aceitar as decisões das instituições democráticas sem violar o Estado democrático de direito e, portanto, cometer novos crimes. Eles simplesmente se renderam.
Dilma não desceu a rampa resignada porque prezava a democracia. Desceu porque não podia fazer outra coisa. Diz-se que houve uma consulta informal às Forças Armadas sobre a possibilidade de não acatar a decisão do parlamento (presidido pelo Supremo Tribunal Federal), tendo seus emissários recebido resposta negativa. Mas mesmo que isso não tenha acontecido, ela faria o quê? A opinião pública não concordava com sua permanência no governo. Os meios de comunicação, com a exceção dos veículos partidários, também não a defendiam. Nem havia povo nas ruas. A correlação de forças lhe era desfavorável para que tentasse resistir. Talvez tenha até cogitado, mas recuou.
Lula concordou em ir para a prisão não porque confiasse nas instituições democráticas, quer dizer, no judiciário de mais de uma instância que lhe condenou e apenou. Foi preso sem reagir, como Dilma, deposta por impeachment, pela mesma razão: não havia correlação de forças favorável para que resistisse. Novamente, talvez tenha até cogitado, mas recuou.
Se a correlação de forças fosse outra, talvez Dilma não tivesse descido mansamente a rampa do Palácio do Planalto e Lula, entrincheirado no sindicato dos metalúrgicos, não tivesse sido preso com tanta facilidade. Não se sabe.
Mas é improvável que tivessem resistido pela força pois o PT optou pelo caminho de tomada do poder por via eleitoral. Desde então, não faz parte de sua estratégia a ação violenta, muito menos o golpe de Estado. O PT quer vencer eleições sucessivamente, ocupando o governo por tempo suficiente para conquistar hegemonia sobre a sociedade a partir do Estado aparelhado pelo partido. Não quer destruir as instituições e sim ocupá-las e fazer maioria em seu interior para transformá-las “por dentro”.
Mesmo assim, o critério máximo do PT é a correlação de forças, não o amor à democracia. Se a correlação de forças lhe fosse favorável, nos dois casos, de Dilma e de Lula, eles poderiam oferecer uma resistência, ainda que passiva, até que as massas ocupassem as ruas e cercassem as sedes das instituições para que Senado e Justiça reformassem suas decisões. E talvez as instituições nem tivessem tomado as decisões que tomaram - o que é o mais provável.
Nos dois eventos, porém, as ruas ficaram praticamente caladas. O fato de não ter havido mobilização popular suficiente para manter Dilma no governo e Lula fora da prisão - ou, melhor, para dissuadir o parlamento e a justiça de tomarem as decisões que tomaram - não é um atestado de que o PT (incluído seu chefe supremo) é democrático.
Há, em contrapartida, muitas evidências de que o PT não é democrático.
Para resumir em uma frase: o PT não é democrático porque é uma força política neopopulista (ou populista de esquerda), estatista, antipluralista (em termos políticos) e iliberal.
Esta nota foi redigida por Augusto de Franco, do staff de Inteligência Democrática.